Correio da Manha

Amber & Johnny

- RUI ZINK ruigzink@gmail.com

Chatice, o júri tramou-me. Eu esperava o veredito só daqui a uns dias. Dava jeito, porque a história que eu ia escrever não tinha maus nem bons, vencidos nem vencedores. Não era pró-Johnny Depp e também não era pró-Amber Heard. Em boa verdade, estou-me nas tintas para os dois. Desde logo, porque suspeito de que eles também o estão para mim. Além disso, caso aprecie o triste espetáculo de um casal desavindo, não preciso de sair de casa. Praticamen­te ninguém precisa. Não é fácil viver com outra pessoa. Pior ainda é, porque a luz está cara, vivermos com uma pessoa que agora odiamos, apesar de a ter amado e, se calhar, ainda amarmos. Chatice. O júri tramou-me.

Neste julgamento tivemos o habitual em qualquer conflito. “Sr. Juiz, eu não estou louco, aquela serigaita é que está.” E a outra parte, em espelho: “Não, Sra. Juíza, eu estou super-sã, ele é que é maluco.” Por vezes, a coisa vira ainda mais feia: as acusações tornam-se torpes e, mesmo se verdadeira­s, patéticas. O que é humano, pois, quando partimos para a desgraça, atacamos com o que está mais à mão. Ela deixou um cocó na cama?

Pois ele pôs coca nas partes íntimas. Etc. E ainda o clichê dos ‘homens violentos’ versus as ‘mulheres santinhas’. Ou o velho preconceit­o de que, se o homem ensandece, é porque a mulher o ‘provocou’. A mulher-vítima (Amber fez uns beicinhos bem giros) contra o homem-algoz (mas ninguém mandou Depp ser pirata das Caraíbas).

As estatístic­as não mentem: a violência doméstica física é infligida sobretudo por homens. Só que, num julgamento, ou num casal concreto, a ideia é precisamen­te não sermos estatístic­as: é sermos diferentes, especiais, únicos. Infelizmen­te,

o divórcio encarrega-se de nos tornar estereótip­os. O conflito no casal não rouba só o amor (isso até acho graça), o problema é que rouba também a nossa identidade. Um casal amoroso é único, um casal aos berros é igual a todos os outros casais aos berros.

Para os advogados, nada mais fácil do que preparar um processo de divórcio.

Escolhido o cliente a defender, o nosso tem sempre razão, é uma alegria. Os defeitos estão todos na outra parte, o que faz do nosso pobre cliente não só uma Madre Teresa de Calcutá: afinal, só mesmo alguém muito bonzinho casaria com um ogre ou uma bruxa, né?n

CASO APRECIE O TRISTE ESPETÁCULO DE UM CASAL DESAVINDO, NÃO PRECISO DE SAIR DE CASA. PRATICAMEN­TE NINGUÉM PRECISA

UM CASAL AMOROSO É ÚNICO, UM CASAL AOS BERROS É IGUAL A TODOS OS OUTROS

CASAIS AOS BERROS

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