A `PAELLA' SEM MESTRE
Na semana passada, por causa de apetites muito meus, fiz uma ‘paella’ improvisada sobre três ou quatro ingredientes. Resultou. Saiu do forno como se fosse o senhor Conde Duque de Olivares, de barba ruiva e espadachim, a entrar na câmara do rei Filipe IV para o aconselhar – e acabasse a dar-lhe ordens (como dizem que às vezes acontecia). Ora, a ‘paella’ dá ordens, não é um prato submisso. Requer preparação e uma lista para a ordem de entrada em cena. Deve ser desenhada por um geómetra ou um agrimensor – e não por quem é capaz de misturar coisas numa panela. Lulas, frango, gambas de bom porte (três por pessoa) ou lagostins (um por pessoa), coelho (se formos respeitadores), uns suaves pedaços de tamboril, mexilhões (apenas abertos em calor e não cozinhados), e depois os temperos, os legumes, o arroz – e o apetite.
O segredo da ‘paella’ é essa falsa abundância de meios, associada ao gosto de a preparar e ao temperamento destemido de quem a cozinha, sem medo de usar a ‘paella’ – a larga frigideira onde se cozinha.
Comecemos por tratar dos mexilhões, para que arrefeçam depois; numa frigideira, e num fio de azeite, salteiem-se os pedaços peixe e as gambas, que se retiram para um prato quando estão a ganhar cor; na ‘paella’, tratemos agora de dar um destino ao frango, ao coelho e às lulas, que devem ser polvilhados de sal quando o azeite começa a dar-lhes cor; quando ficam dourados, juntem-se a cebola e o alho picados, misturando-se tudo bem; os sucos
das carnes e das lulas são de cinco estrelas, e recebem agora os cubos de um grande e maduro tomate. Faz-se uma misturada de alho, uma boa dose de açafrão, umas folhinhas picadas de salsa e um pouco de água quente – um creme que deve ser acrescentado à ‘paella’, juntamente com o arroz e tiras de pimento verde. Mexe-se bem e sem medo até que parte dos grãos de arroz carolino esteja devidamente frita; nessa altura, água a ferver – para que comece a cozer. São 10 minutos agora; mas, ao minuto 8, dá-se a derradeira volta ao arroz, agita-se a ‘paella’ para que fique tudo no seu lugar, juntam-se os pedaços de peixe e de marisco, decora-se com tiras de pimento vermelho, e aguardam-se dois minutos mais.
Nessa altura, vai tudo ao forno (há quem não resista à tentação de juntar umas rodelinhas de chouriço, como se fosse uma coroa de flores deposta em honra ao soldado desconhecido) por cinco ou seis minutos para que seque e toste ligeiramente, como um perfume. Se forem ver o retrato do senhor Conde Duque de Olivares, de Velázquez, é assim que deve estar a ‘paella’ quando sai do forno: poderosa, arruivada de açafrão e pimento vermelho, cheia de segredos, capaz de nos fazer dizer e fazer grandes coisas. Nem o saber nem o arroz ocupam lugar, essa é a grande verdade.
A `PAELLA' DÁ ORDENS, NÃO É UM PRATO SUBMISSO