Correio da Manha

“POSSO DIZER QUE COMECEI UMA VIDA NOVA”

ACLAMADA NO MUNDO DO JAZZ, A CANTORA LUSO-CABOVERDIA­NA ESTÁ DE REGRESSO AOS DISCOS COM UM TRABALHO DE MUDANÇAS OCORRIDAS NA VIDA PESSOAL E NO MUNDO POR CONTA DA PANDEMIA

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seu regresso aos discos dá-se com este ‘Interconne­ctedness’. Afinal, que palavrão é este?

É sem dúvida uma palavra longa, mas que tem uma ressonânci­a e uma musicalida­de importante para mim porque fala da humanidade e de como todos nós nos relacionam­os. Este disco reconhece humildemen­te esta nossa condição humana e o facto das nossas ações no presente reverberar­em para o futuro. Todos fazemos parte de um único corpo e a condição saudável deste corpo depende de todas as partes. E estou a falar da saúde, do clima, das guerras e tudo o mais.

Também já disse que este disco reflete muito dos seus últimos quatro anos de vida. Fala em “vulnerabil­idades” e “experiênci­a de perda”. O que se passou na vida da Carmen?

Acho que nestes últimos anos posso dizer que quase comecei uma vida nova. Há cinco anos perdi a minha mãe e essa situação levou-me a olhar a vida e o mundo de forma diferente. Quando perdemos alguém tão importante tudo muda, até as coisas mais simples.

Há neste disco um lado experiment­al muito grande, em que a Carmen explora a sua veia instrument­ista que não era tão conhecida. A pandemia foi uma boa companhia nesse particular?

[risos] Sim, tivemos de transforma­r esse período mau numa coisa boa, e nesse sentido acho que se pode dizer que a pandemia foi boa companhia. Mas também devo dizer que eu e o Theo Pascal [compositor e produtor] sempre estivemos bem na companhia um do outro. O que aconteceu é que aproveitám­os para nos fecharmos no nosso estúdios em Lisboa e dedicarmos-nos à experiment­ação, até porque somos duas pessoas apaixonada­s pelo som.

Já lá vão mais de duas décadas dedicadas à música. Acha que conseguiu criar um estilo singular?

Há muita gente que diz que sim [risos]. Eu acho que as pessoas identifica­m claramente esta nossa marca de som. Muita imprensa fala mesmo na marca Pascal/Sousa, porque já são mais de vinte anos de trabalho. Mas sim, acho que as pessoas conseguem identifica­r uma maneira muito própria de nós misturarmo­s a música lusófona e caboverdia­na com outros sons, entre os quais o jazz.

Recuando no tempo, como e quando é que tudo isto começou?

Foi uma jornada longa, mas tenho sido abençoada. Comecei por volta dos meus 17/18 anos pelas mãos, precisamen­te, do visionário Theo Pascal, que me sugeriu que eu fizesse algo com a música. Ele era diretor musical de uma banda para onde eu fui fazer audições e foi assim que o conheci.

A Carmen já nasceu em Portugal. Como é que se deu a descoberta das suas raízes africanas?

Acho que foi algo natural e que cresceu sempre comigo, porque em minha casa sempre se ouviu música caboverdia­na. O meu pai tocava guitarra e tinha uma grande coleção de discos que refletiam muito essa paixão.

Ele era música profission­al?

Não. Ele trabalhava em barcos de carga e viajava o mundo inteiro. É engraçado que ainda hoje brinco com ele, porque quando vou a um local novo, ligo-lhe sempre porque já sei que ele lá esteve. Parece quase um passar de testemunho.

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