Então e a esquerda, pá?
Ogénero literário da moda na política portuguesa são as análises sobre a `crise da direita'. Sucedem-se as reflexões excruciantes sobre PSD, Chega e IL (e o fantasma do CDS) e as relações entre si. Não digo que a reorganização desse lado do espectro político não crie instabilidade. Mas onde estão as análises sobre a crise da esquerda?
Ai, não há crise? É verdade que existe uma maioria absoluta e um Governo de esquerda, mas obtidos à conta do esvaziamento dos partidos da `verdadeira esquerda', como eles gostam de se ver, i.e. BE, PCP e Livre. Os quais, segundo as sondagens, continuam na mesma ou até a definhar. Quer dizer, a extrema-direita cresce, há uma dramática crise social, e a esquerda não consegue oferecer nada que interesse aos eleitores. E depois há o PS: em poucos meses, o Governo já apresenta um longo currículo de incompetência e suspeitas de corrupção, enquanto se mostra incapaz de lidar com a fronda das profissões do mítico Estado Social, professores, médicos e enfermeiros. Não admira que nas sondagens apareça empatado ou abaixo do PSD.
Isto só para falar do lado utilitário da crise da esquerda (votos e poder), porque também há o lado, digamos, `espiritual'. As pessoas de esquerda andaram tão embevecidas com a nova Frente Popular da geringonça que não as chocou ver Mário Centeno glorificar-se com o primeiro `superavit' da democracia' em 2019, à custa de uma fiscalidade indirecta feroz, de uma queda inédita do investimento público e da degradação dos sistemas de Educação e Saúde, com BE e PCP a avalizarem tudo. Eis a grande ilusão da política de `devoluções', que só pôde acontecer graças a duas coisas que a esquerda diz odiar: brutalidade orçamental e crescimento económico baseado no turismo.
Se a geringonça se pode orgulhar de alguma coisa é de ter presidido ao maior depauperamento do Estado Social depois da
A extrema-direita cresce, há uma crise social, e a esquerda não consegue oferecer nada que interesse
Troika. Coisa que Fernando Medina, o neo-Centeno, agora continua, orgulhoso dos seus feitos orçamentais. A técnica é a mesma: empobrecer pensionistas, funcionários, médicos e professores (pior do que no sector privado, capitalista, onde há aumentos salariais maiores) e os serviços de Saúde e Educação.
Sete anos de governo de esquerda e tudo o que ela diz amar parece desfazer-se. Se isto não é uma crise, gostava de saber o que é.