Correio da Manha

Então e a esquerda, pá?

- Luciano Amaral Professor universitá­rio

Ogénero literário da moda na política portuguesa são as análises sobre a `crise da direita'. Sucedem-se as reflexões excruciant­es sobre PSD, Chega e IL (e o fantasma do CDS) e as relações entre si. Não digo que a reorganiza­ção desse lado do espectro político não crie instabilid­ade. Mas onde estão as análises sobre a crise da esquerda?

Ai, não há crise? É verdade que existe uma maioria absoluta e um Governo de esquerda, mas obtidos à conta do esvaziamen­to dos partidos da `verdadeira esquerda', como eles gostam de se ver, i.e. BE, PCP e Livre. Os quais, segundo as sondagens, continuam na mesma ou até a definhar. Quer dizer, a extrema-direita cresce, há uma dramática crise social, e a esquerda não consegue oferecer nada que interesse aos eleitores. E depois há o PS: em poucos meses, o Governo já apresenta um longo currículo de incompetên­cia e suspeitas de corrupção, enquanto se mostra incapaz de lidar com a fronda das profissões do mítico Estado Social, professore­s, médicos e enfermeiro­s. Não admira que nas sondagens apareça empatado ou abaixo do PSD.

Isto só para falar do lado utilitário da crise da esquerda (votos e poder), porque também há o lado, digamos, `espiritual'. As pessoas de esquerda andaram tão embevecida­s com a nova Frente Popular da geringonça que não as chocou ver Mário Centeno glorificar-se com o primeiro `superavit' da democracia' em 2019, à custa de uma fiscalidad­e indirecta feroz, de uma queda inédita do investimen­to público e da degradação dos sistemas de Educação e Saúde, com BE e PCP a avalizarem tudo. Eis a grande ilusão da política de `devoluções', que só pôde acontecer graças a duas coisas que a esquerda diz odiar: brutalidad­e orçamental e cresciment­o económico baseado no turismo.

Se a geringonça se pode orgulhar de alguma coisa é de ter presidido ao maior depauperam­ento do Estado Social depois da

A extrema-direita cresce, há uma crise social, e a esquerda não consegue oferecer nada que interesse

Troika. Coisa que Fernando Medina, o neo-Centeno, agora continua, orgulhoso dos seus feitos orçamentai­s. A técnica é a mesma: empobrecer pensionist­as, funcionári­os, médicos e professore­s (pior do que no sector privado, capitalist­a, onde há aumentos salariais maiores) e os serviços de Saúde e Educação.

Sete anos de governo de esquerda e tudo o que ela diz amar parece desfazer-se. Se isto não é uma crise, gostava de saber o que é.

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