O ópio da Igreja
Orelatório agora publicado não é bem sobre pedofilia na Igreja Católica, embora pareça. Se fosse, a Igreja tinha um caminho simples a seguir. Deixava-se de tergiversações, propunha uma investigação sistemática e, no fim, dizia: `nós fizemos o nosso trabalho, agora façam-no também escolas, colégios, reformatórios, hospitais psiquiátricos, clubes desportivos, famílias e várias instituições de enquadramento social onde todos sabem que estes crimes abundam e seguem impunes'. Mas a Igreja não o pode fazer, porque isso seria assumir-se como uma entre muitas instituições de enquadramento social. Ora, aos seus olhos, a Igreja é A Instituição. Mais, a Igreja é A Verdade.
Mas o mesmo deveriam pedir os cortejos de pessoas que agora brotaram como cogumelos indignadas com a pedofilia, um assunto a que não tinham dedicado um átomo de atenção e haviam mesmo desvalorizado como uma obsessão de reaccionários e beatos. Por isso, o relatório não é sobre pedofilia, com que tanto a Igreja como o resto da sociedade transigem, mas sobre poder e política.
As religiões são formas de enquadramento e legitimação do poder e, portanto, dedicam muita atenção ao sexo. Como disse Oscar Wilde: `tudo no mundo é sobre sexo, excepto o sexo, que é sobre poder'. A Igreja é uma forma de disciplina do sexo. Atente-se no Reino Unido ou nos EUA, países de tradição protestante e puritana onde mais profundamente as pessoas largaram a Igreja Católica para terem uma relação directa com Deus (o melhor caminho para não terem nenhuma). Aí, o debate político está largamente transformado num debate sobre sexo: homossexualidade, transexualidade, não-binarismo sexual... Só pensam nisso. E até já deu origem a uma espécie de nova igreja, cujos párocos catequizam dogmas como o de que afinal não há dois sexos, mas dezenas. A nova igreja tem até as suas regras de castidade: é o caso dos `incels' (os `celibatários
Aos seus olhos a Igreja é A Instituição. O relatório não é sobre pedofilia, mas sobre poder e política
involuntários') ou dos princípios do assédio, que pode resultar de uma mera insinuação ou olhar.
Nos países onde a disciplina do sexo pela Igreja Católica mais sobreviveu, esses debates têm menos êxito. Mas à medida que ela perde autoridade moral, por causa de relatórios como este, mais se chegará àquele puritanismo. Que não é menos repressivo, apenas o é de outra forma. Lá nos habituaremos a isso.