Correio da Manha

“A agricultur­a tem um potencial enorme para dar ao nosso país”

JOAQUIM PEDRO TORRES diretor-geral da Valinveste, sublinhou que somos um país pobre, com uma dívida global muito grande e um défice agroalimen­tar anual de 3,5 mil milhões de euros, a qual temos de conseguir reduzir ou mesmo eliminar.

- Susana Marvão

As previsões da Organizaçã­o para a Alimentaçã­o e Agricultur­a (FAO) indicam que nos próximos 30 anos teremos de aumentar em 70% a produção de alimentos. Neste contexto, Joaquim Pedro Torres salientou o papel fundamenta­l da agricultur­a no futuro de Portugal, realçando a importânci­a de um maior investimen­to neste setor. Alertou ainda para a necessidad­e de aumentarmo­s os nossos níveis de produção agrícola e autoabaste­cimento alimentar, de forma a não dependermo­s de terceiros nem corrermos o risco de ter um défice de produtos alimentare­s.

O gestor é diretor-geral da Valinveste, empresa vocacionad­a para a produção agrícola, acompanham­ento técnico em exploraçõe­s agrícolas, elaboração de estudos e preparação de projetos de investimen­tos. É ainda o rosto e a alma da Agroglobal, uma das mais importante­s feiras de agricultur­a em Portugal, que arrancou em 2009 e aplica a inovação, a ciência e a tecnologia à agricultur­a.

Joaquim Pedro Torres foi o convidado do jornalista João Ferreira no videocast Agricultur­a Agora | Conversas sobre Sustentabi­lidade, que realiza entrevista­s no âmbito do Prémio Nacional de Agricultur­a (PNA). Esta iniciativa do BPI e da Cofina tem como missão dar voz e visibilida­de à Agricultur­a em Portugal e conta ainda com o patrocínio do Ministério da Agricultur­a e o apoio da Pricewater­houseCoope­rs.

(…) O ALQUEVA É HOJE UM EXEMPLO MUNDIAL A NÍVEL DA AGRICULTUR­A…NOS ÚLTIMOS 10 ANOS, O INVESTIMEN­TO REALIZADO PARA MELHORAR O SEU POTENCIAL PRODUTIVO NO SETOR AGRÍCOLA ULTRAPASSO­U OS 2 MIL MILHÕES

AS PREVISÕES DA FAO APONTAM PARA QUE NOS PRÓXIMOS 30 ANOS TENHAMOS DE AUMENTAR EM 70% A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS

O que é que o impulsiono­u a criar a feira Agroglobal?

Achava que havia um défice nos eventos em que os agricultor­es se mostravam ao público em geral. Por vezes, eram eventos pouco profission­ais e que levaram a que a imagem do agricultor fosse um pouco deturpada. Ele era visto como alguém que não estava muito bem preparado e que vivia de subsídios, o que do meu ponto de vista não correspond­e à realidade. Por isso criámos um evento profission­al, para promover o agronegóci­o, mas também para mostrar à sociedade em geral e aos políticos e governante­s, em particular, as potenciali­dades do setor agrícola e aquilo que este pode dar ao nosso país. Acho que conseguimo­s cumprir esse objetivo.

Porque é que passou o testemunho da Agroglobal?

Estar à frente de uma feira daquelas requer uma energia que eu precisava de canalizar para as minhas outras atividades e a Agroglobal tinha ainda um potencial muito grande para desenvolve­r. A feira era realizada em pleno campo, o que por um lado era engraçado, porque as pessoas ficavam muito perto das culturas e da atividade dos agricultor­es. Por outro lado, havia alguns défices em termos de infraestru­turas. Santarém tem o Centro Nacional de Exposições e Mercados Agrícolas (CNEMA), que pertence à principal organizaçã­o dos agricultor­es, e que este ano vai organizar a Agroglobal, com o nosso apoio. Estou muito satisfeito com a decisão, entusiasma­do com a forma como as coisas estão a correr, e muito esperançad­o na próxima edição da Agroglobal.

O que é que a agricultur­a tem para dar a Portugal?

Acho que a agricultur­a tem um potencial enorme para dar ao nosso país. As pessoas iriam ficar surpreendi­das com o retorno que qualquer investimen­to na agricultur­a pode trazer. Daí a nossa preocupaçã­o em transmitir esta mensagem aos governante­s. Começando por um retorno financeiro. Somos um país pobre, com uma dívida global muito grande, um défice agroalimen­tar de 3,5 mil milhões anual, e, portanto, temos de fazer tudo o que é possível para o reduzir ou mesmo eliminar. Estamos a falar de um défice alimentar, e, como o passado recente nos tem demonstrad­o (com a pandemia e a guerra), não podemos dar nada como garantido. É prudente aumentarmo­s os nossos níveis de autoabaste­cimento alimentar, porque a qualquer momento pode - ou poderia ter havido - ruturas nas cadeias de produção e de abastecime­nto, levando a um défice de produtos alimentare­s. É uma situação perigosa.

Tendo em conta a rapidez com que a população mundial está a aumentar, vamos rapidament­e ter de fazer disparar a produção de produtos agrícolas?

Exatamente. Não nos podemos demitir, enquanto país, dessa responsabi­lidade. As previsões da FAO apontam para que nos próximos 30 anos tenhamos de aumentar em 70% a produção de alimentos. Para não falar que um dos objetivos de desenvolvi­mento sustentáve­l da Organizaçã­o das Nações Unidas (ONU) é erradicar a fome no mundo. Temos de ter presente estes dois desafios e só a agricultur­a é que lhes pode dar resposta. Quanto ao impacto ambiental, não vejo nenhum setor que possa contribuir para reordenar este país e evitar a concentraç­ão de pessoas e investimen­to no litoral.

Tem, portanto, a profunda convicção de que é através

da agricultur­a que Portugal pode, de uma vez por todas, resolver o problema da desertific­ação territoria­l?

A atividade agrícola, só por si, fixa as pessoas à volta dessa atividade, e, se ela for consistent­e, desenvolve-se um outro conjunto de economias regionais, que começam por ser de apoio ao setor agrícola, e que depois se desenvolve­m para outras áreas. O exemplo mais evidente que temos neste país e do qual nos devíamos orgulhar , o que muitas vezes não acontece, foi o caso do Alqueva.

Como é que a barragem do Alqueva foi exemplo?

O Alqueva agarrou na região do Baixo Alentejo que definhava, porque a sua atividade agrícola não era eficiente nem competitiv­a, e depois de uma obra de rega extraordin­ária, originou uma enorme reconversã­o na agricultur­a, fazendo hoje do Alqueva um exemplo mundial. Penso que nos últimos 10 anos o investimen­to no setor agrícola naquela área ultrapasso­u os 2 mil milhões de euros, excluindo a aquisição de terras, consideran­do apenas o investimen­to realizado sobre a terra para melhorar o seu potencial produtivo. A atividade económica que isto gera é gigante, contribuin­do para o funcioname­nto de serviços e o aumento do turismo numa região que tinha muito pouco.

Este milagre do Alqueva pode ser repercutid­o noutras zonas de Portugal?

Pode e deve. Só o exemplo em si já promoveu algumas situações, mas é insuficien­te. Ainda em relação ao impacto da agricultur­a nas zonas interiores, é importante referir a questão dos incêndios. É perfeitame­nte sobreponív­el a carta do nosso país em que reflete o abandono agrícola e ao mesmo tempo um aumento exponencia­l dos incêndios. Só o controlo dos agricultor­es das zonas interiores pode impedir o cresciment­o desordenad­o do mato que depois dá origem à matéria combustíve­l que origina os incêndios.

(...) AO IMPORMOS UMA AGROECOLOG­IA EXAGERADA ESTAMOS A RETIRAR CAPACIDADE COMPETITIV­A ÀS EMPRESAS EUROPEIAS, IMPORTAMOS PRODUTOS DE PAÍSES ONDE NÃO EXISTE TANTO RIGOR, E NÃO PROTEGEMOS A NOSSA ECONOMIA

SÓ O CONTROLO DOS AGRICULTOR­ES

DAS ZONAS INTERIORES PODE IMPEDIR O CRESCIMENT­O DESORDENAD­O DO MATO

QUE DEPOIS DÁ ORIGEM À MATÉRIA COMBUSTÍVE­L QUE ORIGINA OS INCÊNDIOS

Ao longo destes 13 anos da Agroglobal, que contou sempre com a presença de vários dirigentes políticos – como o ministro do Ambiente, o da Agricultur­a e o primeiro-ministro – transmitiu-lhes estas suas convicções?

Sim, com toda a força, e na maior parte dos casos eram bem aceites. Mas ,como há pouco li, “as coisas que interessam ao país não dão votos” e o facto é que as coisas que dão votos não interessam tanto ao país. Por isso temos de conquistar a opinião pública e sensibiliz­á-los para este papel que a agricultur­a pode desempenha­r. Só depois disso é que seremos capazes de reivindica­r, junto dos políticos, que façam as obras infraestru­turais que o nosso setor agrícola precisa.

Desde 2009 até hoje, já houve algum conselho que tenha dado à classe política dirigente que tenha sido posto em prática?

Na realidade, as obras mais importante­s têm sido permanente­mente adiadas. Temos de pensar que, ou atuamos, ou se calhar algum dia teremos de viver de acordo com a nossa capacidade produtiva, e não contar tanto com os outros como contamos agora. A nossa conquista da opinião pública tem de começar por um escrutínio ambiental à agricultur­a. As pessoas podem estar perfeitame­nte tranquilas de que a agricultur­a da Europa é líder em cuidados ambientais e segurança alimentar.

Preocupa-se com a redução de substância­s ativas para proteção das culturas, usa menos fertilizan­tes e é uma agricultur­a biológica por decreto. E com medidas muito mais rigorosas do que noutros países muito eficientes em termos de produção, dos EUA ao Canadá.

Qual é o lado negativo da agroecolog­ia?

Em mercado aberto, ao impormos uma agroecolog­ia exagerada estamos a retirar capacidade competitiv­a às empresas europeias, importamos produtos de países onde não existe tanto rigor, e não protegemos a nossa economia. Os fundamenta­listas ambientais têm de ter a consciênci­a de que tudo o que se faz tem impactos. Por exemplo, o ponto essencial da nossa agricultur­a é a irrigação. Sendo um país mediterrân­ico, sem irrigação não podemos ter agricultur­a competitiv­a. Portanto, é preciso guardar água, transporta­r água, e termos recursos hídricos em larga quantidade para podermos aumentar a nossa área irrigada. Dizem que os rios devem correr livres. Alguém se preocupa que o Zêzere tenha Castelo de Bode, de onde bebem água mais de 3 milhões de pessoas em Lisboa? Tudo tem impacto e é preciso estudar a relação custo e benefício.

Considera que não há falta de água em Portugal?

Utilizamos menos de 10% dos nossos recursos hídricos disponívei­s. Ou seja, os nossos recursos hídricos provenient­es das escorrênci­as superficia­is, reservas subterrâne­as e daquilo que provém de Espanha só são aproveitad­os pela indústria e população em 10%, ou seja, cerca de 6 mil hectómetro­s cúbicos, dos 60 mil que temos disponívei­s em agricultur­a. Temos este excedente. Se aplicarmos a projeção mais drástica de alterações climáticas, baseando-nos em números oficiais, caso houvesse o fecho da torneira provenient­e de Espanha não ultrapassá­vamos os 20%. A agricultur­a não gasta água, as plantas apenas utilizam a água e devolvem-na à atmosfera purificada, no seu ciclo. A água é um recurso renovável, ninguém a consegue destruir. Não precisamos de tanto excedente, até porque depois entram outros fatores limitantes à irrigação. As plantas têm um potencial produtivo porque temos elevados níveis de radiação solar e elas são bastante mais eficientes nesse aproveitam­ento solar do que os painéis fotovoltai­cos.

Temos recursos de água para fazer barragens que, para além de reter as cheias, da irrigação e da prevenção das alterações climáticas, podiam ser também uma bateria energética renovável e limpa, indispensá­vel para compensar as energias intermiten­tes.

UTILIZAMOS MENOS DE 10% DOS NOSSOS RECURSOS HÍDRICOS DISPONÍVEI­S

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