A Minha Opinião é Maior que a Tua Vamos todos ficar bem
Tem fama de ser um provérbio chinês: quando alguém nos faz uma maldade, desejarmos-lhe “que viva tempos interessantes”. Por interessantes, entenda-se: turbulentos, aziagos, cheios de incidentes e desgraças.
Tolstoi observou que `as famílias felizes não têm história'. Se nas séries de vikings e reis e princesas corresse tudo às mil maravilhas, não haveria segunda temporada. Nem segundo episódio sequer: o “E viveram felizes para sempre” é sempre o que vem depois de a história terminar. Embora eu pagasse para ver uma sequela da Gata Borralheira, com ela a queixar-se às amigas: “O imbecil ressona!”
Vem nos livros: a crise não é a interrupção na história, a crise é a própria história. Mesmo se começa com “era uma vez um reino que vivia feliz”, a coisa só começa a apimentar quando surgem o dragão ou o gigante ou a bruxa ou o ogre. Aí sim, dá gosto ler ou ver. Só não dá gosto viver. Por uma razão qualquer que me escapa, o náufrago nunca acha piada às histórias de náufragos, sobretudo enquanto está a naufragar. Mais tarde, sim, talvez até ria. É o que dizemos sempre perante uma inconveniência, não é? “Um dia ainda vamos rir disto tudo.”
Também dizemos que o tempo tudo cura. Nem que seja da forma mais eficaz, matando-nos. É o que pensamos quando alguém com uma doença dolorosa e terminal vai desta
A crise da habitação já vem de longe, mas agora deu-se a gota que entornou o caldo
para melhor: “Agora já não sofre.” Seja por boas razões (superámos a dor), seja pelas más (a dor eliminou-nos), um dia chegará em que já não sofremos mais.
Até lá, estamos na dança, na luta, nesta chatice diária sempre em crise, mas com alguns entreténs que compensam. Enervamo-nos, mas não nos aborrecemos. O provérbio pode não ser chinês, mas a acupunctura é. Ao longo do tempo, vamos levando alfinetadas. Muitas nem as sentimos no momento, mas ainda assim fazem mossa. O nervo ciático só começa a doer quando o caldo já está entornado. Nós andamos há já bastante tempo a levar com alfinetadas que nos vão desequilibrando o sistema nervoso. A pandemia, a guerra, a inflação, só para referir as crises transnacionais. A crise da habitação já vem de longe, mas agora deu-se a gota que entornou o caldo. Com as suas propostas, o governo tem um mérito: pôs os diferentes grupos de interesse a falarem abertamente do assunto. Mesmo que não dê em nada, o jogo fica mais aberto.
E, mesmo que partilhando um quarto com vinte pessoas, vamos todos ficar bem.