Correio da Manha

Quando o rigor mata o encanto da ficção

- Edição de Autor POR MIGUEL AZEVEDO JORNALISTA

Atormentad­o pelo público há 25 anos pelo facto de ter‘morto’Jack Dawson no final do filme ‘Titanic’, o realizador James Cameron decidiu fazer um documentár­io (já estreou no National Geographic) para provar, cientifica­mente, que Jack (interpreta­do por Leonardo Di Caprio), nunca teria tido hipótese de sobreviver nas águas geladas do Altântico Norte nem partilhar o painel que serviu de bóia a Rose (ambos teriam afundado). Recorreu a dois duplos com a mesma massa corporal dos atores, recriou o painel ao qual Kate Winslet se agarrou nas gravações, e colocou-os numa piscina de água gelada para provar que Jack teria morrido de hipotermia. Ora, eu sou daqueles que acredita que uma boa história de amor termina em tragédia, seja na ficção ou na realidade, de Romeu e Julieta a Marco Antonio e Cleópatra,

ESTA EXPLICAÇÃO ATÉ VEIO TIRAR ALGUMA BELEZA E MISTÉRIO À MORTE DE JACK (`TITANIC')

de Pedro e Inês a John Lennon e Yoko Ono. Quem não se deixou arrebatar no cinema pelos amores dramáticos de Seth e Maggie na ‘Cidade dos Anjos’; de Ennis e Jack em ‘O Segredo de Brokeback Mountain’; de Sam e Molly em ‘Ghost - O Espírito do Amor’; de Allie e Noah em ‘Diário da Nossa Paixão’; ou de Joe Black e Susan Parrish em ‘Meet Joe Black’? Por outras palavras, era dispensáve­l qualquer explicação científica para a morte de Jack. Americanic­e ou excesso de perfecioni­smo, a explicação até veio tirar alguma beleza e mistério à morte de Jack e a uma das cenas mais marcantes do cinema dos últimos trinta anos. Eu dispensava, até porque quando a ficção e o drama do amor tiverem que ser explicados com este rigor e detalhe forense o cinema perderá o seu encanto.

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