Correio da Manha

Neto de Catonho Tonho e as reparações coloniais

- Armando Esteves Pereira Diretor-geral editorial adjunto

Sem haver um grande debate na sociedade sobre o tema, nem ser um assunto político urgente, o Presidente da República, num jantar com a imprensa estrangeir­a, abriu uma nova polémica em Portugal: as reparações às ex-colónias. A História é a História. Devemos aprender com os erros do passado para não os repetir, mas é muito perigoso entrar numa lógica de reparação financeira. Até porque os contextos históricos são demasiado complexos.

Os brasileiro­s reclamam indemnizaç­ões a Portugal e falam sempre do ouro que enriqueceu belas cidades mineiras. Mas sem Portugal, o Brasil, esse grande país continenta­l, não existiria. Sem a expansão na Amazónia no tempo do Marquês de Pombal, não teria a importânci­a global que tem hoje. Sem Portugal, poderia estar hoje dividido em várias Guianas e outras Repúblicas bolivarian­as.

Tal como Angola ou Moçambique não seriam os países que são sem Portugal, os seus território­s seriam outros.

No caso de Angola, quem tem razões de queixa de Portugal é o povo de Cabinda, que por força da economia da administra­ção colonial foi anexado ao território mais a sul e quando houve a independên­cia foram forçados depender de Luanda. E apesar de alguma resistênci­a, os poços de petróleo que enriquecem a elite angolana tornam agora impossível a separação do enclave face aos povos tão diferentes a sul.

Desde que há populações humanas que as guerras e conquistas fazem parte do Mundo. E nós somos o resultado de tudo isso, de infâmias, vilanias, massacres, mas também de grandiosas odisseias e feitos heroicos.

Por absurdo desta lógica, pessoas como eu, descendent­e dos lusitanos dos montes Hermínios, poderiam reclamar indemnizaç­ões a Roma pela conquista e pela traição que levou à morte de Viriato. Mas sem essa conquista também não haveria Portugal, nem esta língua que partilhamo­s.

O Presidente da República lançou para a agenda um assunto que divide a sociedade portuguesa

E não deixa de ser irónico que seja

Marcelo, um dos políticos com ligações familiares mais próximas do colonialis­mo, a atear a fogueira das reparações. O seu pai foi governador-geral de Moçambique e o seu avó fundou os armazéns mais relevantes e emblemátic­os de Luanda, o Catonho Tonho. Abrir de forma artificial o tema de eventuais reparações às ex-colónias é iniciar um processo que reabre feridas entre povos e tem um potencial explosivo para dividir mais os portuguese­s.

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