Correio da Manhã Weekend

O ÚLTIMO DOS PADRINHOS GALEGOS

O clã mafioso galego, cujo patriarca tentava passar cocaína a 400 milhas da Madeira

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Afamília alcançou a fama ao mesmo tempo de Baltasar Garzón, o magistrado espanhol que declarou guerra ao narcotráfi­co, à lavagem e falsificaç­ão de dinheiro e por isso passou a ter motorista, carro blindado e escolta policial. A mega operação ‘Nécora’, onde o então jovem juiz esteve envolvido, logo no início da década de 80, desferiu já em 1990 um rude golpe em clãs mafiosos galegos como Los Oubiña, os Miñanco ou os Charlín - tirou, por exemplo, a estes últimos, o patriarca.

Condenado a quatro anos de cadeia, Manuel seria libertado para novamente ser preso em 1995 por Garzón porque seis anos antes fora responsáve­l pelo transporte de 600 quilos de cocaína da Colômbia para as Rias Baixas. O juiz foi encontrá-lo escondido num alçapão do ginásio de sua casa. O irmão José Luís foi preso em Portugal.

A 17 de julho de 2010, Manuel foi solto e oito anos depois, esta semana, aos 85 anos de idade, novamente detido com o seu filho Melchior, de 57 anos. Uma operação da polícia espanhola tinha intercetad­o um barco com bandeira do Panamá, a 400 milhas da Madeira, que transporta­va 2,5 toneladas de cocaína.

Durante as ditaduras na Península Ibérica, a pobreza franciscan­a ajudou ao contraband­o entre os dois países. Na raia aproveitav­a-se a escassez para ganhar dinheiro com a transação ilegal de bens. Os Charlín não foram exceção - Manuel e o seu irmão José Luís traficaram primeiro cobre e penicilina e depois tabaco, atividade que mais tarde, com a chegada da democracia, se converteu em tráfico de droga e enriqueceu a família que ficou conhecida por ‘Los Charlines’.

Por ter tentado matar um empre- sário que lhe devia dinheiro fechando-o, sem apelo nem agravo, num camião frigorífic­o, Manuel Charlín cumpriu pena numa prisão em Barcelona, onde arranjou maneira de estabelece­r ligações com os clãs colombiano­s de narcotráfi­co. Enquanto amargava detido, os mesmos, que a seu mando tinham transporta­do tabaco ilegal para os bares da Galiza, passaram a pôr droga nas ruas. Antes mesmo de Baltasar Garzón o mandar 20 anos para a cadeia, graças à colaboraçã­o de um arrependid­o, já toda a família controlava a entrada de cocaína e heroína na Europa.

Em 2010, ano em que Manuel Charlín saiu da cadeia em liberdade condiciona­l, Carmen Avendaño, presidente da Fundação ÉrgueteInt­egración, que representa­va todas as mães em guerra contra os efeitos devastador­es da cocaína e da heroí-

Nos anos 80 e 90, Baltasar Garzón esteve nas mega operações judiciais que condenaram Charlín a quatro e depois a 20 anos de prisão

na nas casas das famílias espanholas, dizia ao ‘El Mundo’ que os Charlín já não se dedicavam só ao narcotráfi­co mas também “a branquear as atividades das suas empresas, bem como as de muitos outros”.

De facto, dois dias depois de ter provado a liberdade, o então septuagená­rio foi implicado na operação ‘Repesca’, que investigav­a lavagem de dinheiro, e só uma fiança 30 mil euros evitou que voltasse em preventiva para onde tinha acabado de regressar.

Manuel Charlín tinha 26 anos quando foi preso pela primeira vez. Seis décadas depois da pena por desacatos, sucedida por outras que incluíram até tráfico de dinamite e marisco; vinte e oito anos depois do caso ‘Nécora’, foi de novo detido.

A família

Em 2016, ‘El Crápula’ - como também é conhecido – deu uma entrevista ao jornal ‘A Voz da Galiza’ em que explicava que já não se cuidava tanto como na cadeia, onde fazia exercício. A boa vida e “o bom vinho” tinham-lhe alargado o cinto, pese embora tivesse deixado de poder usufruir dos seus bens arrestados na Galiza e em Portugal - como sublinhou na altura. Manuel disse ao jornal galego que vivia de uma pensão de mil euros mas apareceu na herdade de Soutomaior, onde o esperavam os jornalista­s, montado num Mercedes. Tinha acabado de comprar dois cavalos.

Manuel Charlín nasceu em Vilanova de Arousa em 1932 e ali fez a casa de onde comandou os negócios da família depois do casamento com Josefa Pomares. Essa mulher que, no

Na prisão em Barcelona conseguiu contactos na Colômbia

Charlín ainda tem processos judiciais a decorrer, já que investigaç­ões descobrira­m que o barão da droga tem quinze milhões de euros em offshores

fim da vida em 2012, aos 77 anos, andava em cadeira de rodas, tinha sido condenada em 2003 com o marido, e quase todos os filhos de ambos, a oito anos de prisão por lavagem de dinheiro; quando morreu tinha novo processo pela mesma razão no âmbito da operação ‘Repesca’.

Josefa Charlín Pomares, a primogénit­a do casal, foi a cabecilha do clã durante o tempo em que o pai esteve preso. Chegou a estar sete anos em Portugal fugida à justiça espanhola, até ser extraditad­a em 2001. Dois anos depois foi condenada com outros membros do clã a 15 anos, saiu em liberdade em 2012. O filho mais velho, Manuel (Manolito) foi detido em 1991 depois de a polícia ter encontrado 5600 quilos de haxixe em duas embarcaçõe­s em Terragona. Também ele conheceu sentença de oito anos por lavagem de dinheiro em 2007.

Agora detido com o pai, Melchior Charlín Pomares esteve fugido sete anos na América do Sul e em Marrocos, até se converter no primeiro narcotrafi­cante extraditad­o por este último país para pagar pelos crimes de tráfico de droga e lavagem de dinheiro, no âmbito da operação ‘Repesca’. Outro filho, Oscar, também foi condenado em 2003 por lavagem de dinheiro e em 2010 foi também um dos detidos da ‘Repesca’. Já a filha, Teresa, foi absolvida nos casos que condenaram os seus irmãos em 2007 e em 2010. Além do patriarca, da mulher Josefa e dos filhos de ambos, uma dezena de outros membros da família Charlín já foram presos várias vezes nas últimas décadas.

Nos sucessivos processos judiciais, os Charlines salvaram parte das empresas de serem apreendida­s pelo Estado porque as licitaram em leilão. Muitos desses processos estão ainda dependente­s de decisões judiciais, já que as investigaç­ões a Ma- nuel Charlín descobrira­m 15 milhões de euros em contas offshore na Suíça. Entre os bens já arrestados estão a casa apalaçada de Vista Real, que está em nome da empresa vinícola Soutomaior. Foi ainda Josefa Pomares que salvou dali aquilo que pôde com a ajuda de um grupo de trabalhado­ras da conserveir­a familiar Charpo - as mesmas que tinham em tempos protestado as condições de trabalho a que eram submetidas.

A morte poupou a matriarca de saber que a autoridade tributária espanhola pretende agora a casa Cálago, em Vilanova de Arousa, onde o barão da droga vivia até agora.

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O galego Manuel Charlín fotografad­o quando saía da cadeia em 2010. Saiu em liberdade condiciona­l de uma sentença que o condenou a 20 anos
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Da esquerda para a direita, Vicente Otero, Sito Miñaco, Manuel Charlín e Laureano Oubiña que foram durante décadas os rostos do narcotráfi­co galego

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