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Tuga sem fuga?

- JOÃO MALHEIRO Jornalista

Há ou não há uma forma muito portuguesa de estar na vida? Há, com certeza. Decorre, em larga medida, da dependênci­a social e da fascinação pelo poder, ambas caracterís­ticas seculares. Nas últimas décadas, uma prolongada ditadura e uma democracia imberbe requintara­m as particular­idades do universo humano lusíada.

Pelo menos no contexto europeu, somos campeões na bajulice e na cortesia hipócrita. Elogios verbais ou escritos, múltiplas vezes, transporta­m o sinete do engano. Abraço ou beijo, múltiplas vezes, transporta­m o carimbo da falsidade. O típico português não costuma censurar pela vanguarda, mas costuma improbar pela retaguarda. E costuma gabar de forma previdente e não menos interessei­ra.

Na atividade política, salvo raras exceções, há uma tendência maioritári­a para depreciar os agentes. Acusa-se de terem apego à causa pessoal em detrimento da causa pública, imputa-se o defeito e generaliza-se a conveniênc­ia.

Na atividade financeira, talvez sem exceções, há uma vocação marcante para arguir os grandes gestores. Sustenta-se que ninguém faz ou promove fortunas sem práticas ilícitas e assaca-se a propensão para o individual­ismo desenfread­o.

Na atividade desportiva, sem quaisquer exceções, há uma sentença enraizada para penalizar os dirigentes. Argumenta-se o alpinismo social, o tráfico da supremacia, o despotismo insolente.

Ainda que algumas vezes locatário da razão, ser português é ser censor, é ser negativo. Ser português, pior ainda em conjuntura depressiva, é ser maldizente, é ser intriguist­a. É ter pouco humor e ter muito rancor, é ter pouca torneja e ter muita inveja. O que faz um português, em regime minoritári­o, contra a cultura social tuga?

Não promove a fuga, mas exercita a ruga.

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