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«O que temos é uma mulher em fúria»

Apenas uma atriz neste mundo poderia ser a protagonis­ta de “Três Cartazes à Beira da Estrada”, aclamado filme que estreia hoje: Frances Mcdormand. Dias depois de ganhar o seu primeiro Globo de Ouro, eis a entrevista.

- JOHN-MIGUEL SACRAMENTO, em Hollywood

Frances Mcdormand, a lendária atriz que vive longe dos holofotes e dos clichés dominantes de Hollywood, volta esta semana com um filme, Três Cartazes à Beira da Estrada, que fala da resistênci­a humana face ao poder institucio­nal do estado. Há um grito no ar, uma raiva, juntamente com alguns cocktails molotov. A mulher foi à luta. Ela não está interessad­a em fazer reféns. A única coisa que exige é ação, justiça. Ficam as três (ou quatro) perguntas à senhora que gosta de criar mulheres no ecrã que sejam donas do seu destino, rasgos em forma de ser humano que se recusam a pedir desculpa pelas lições que vão dando enquanto caminham neste mundo.

Frances, a sua personagem neste filme – a senhora Mildred, da localidade de Ebbing, no estado do Missouri – parece mesmo ser uma espécie de John Wayne com determinaç­ão suficiente para cortar a paisagem ao meio. Como foi a experiênci­a de carregar essa carga de energia e revolução?

Adorei usar o John Wayne como talismã e ideal. Desde logo, porque sempre amei a maneira como ele andava. Era um homem muito alto. Embora calçasse o número 44, os pés dele mantinham-se demasiado pequenos para o tamanho daquele corpo. Era por isso que aparecia sempre no ecrã, em filmes de ação e muito movimentad­os, a andar daquela maneira – um andar tão queri- dinho e amaneirado. Para ele, aqueles passinhos dados com tanta elegância eram apenas ele a tentar manter-se de pé, em cima de uns pezinhos amorosos. Pelo menos foi isso que li. Geralmente não leio biografias.

Mas li esta do John Wayne. Li o livro num ápice, da capa à contra-capa com uma voracidade que geralmente não me é suscitada por biografias de atores. Isto para dizer que biografias de atores é algo que, de uma maneira geral, acho desinteres­sante. Não foi o caso do John Wayne. Gostei de saber mais sobre ele. Achei interessan­te que tenha sido ele mesmo a construir a imagem do John Wayne. Havia, de nascença, um indivíduo nascido no estado do Iowa e chamado Marion Morrison. E, depois, havia também um John Wayne. O Marion sabia que o público precisava de um John Wayne. A história, os estúdios, as plateias, toda a gente andava à procura de um John Wayne, a tal imagem icónica do herói. Mas ele, o indivíduo, sabia que havia uma grande diferença entre o Marion Morrison e o John Wayne. Fora isto tudo, também adoro o facto de os pais dele terem dado à criança o nome Marion. (risos) Por amor de deus. Mas qual foi a ideia? (risos).

Como é que esta mulher do filme consegue, apesar da sua vulnerabil­idade, ser tão corajosa?

Estava tudo no grande texto do guião escrito pelo Martin Mcdonagh. Mas também há isto a considerar: quando vamos ver a minha filmografi­a encontramo­s ali uma série de mulheres vitimizada­s, embora, acho eu, o meu retrato delas tenha acrescenta­do algo extra – precisamen­te porque eu sou este tipo de pessoa. No caso da mulher neste filme, há uma grande prenda no centro da sua evolução. Sabemos que, mesmo que ela tenha sido tratada como vítima noutras fases e facetas da sua vida, desta vez fica claro que está ali para agir. Ninguém fica com dúvidas. Desta vez ela está ali para tomar pro-

«Adorei usar o John Wayne como talismã e ideal. Desde logo, sempre amei a forma como ele andava» «Era importante não fazer da Mildred uma pessoa de quem se gosta logo à primeira vista»

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