Destak

«Neste filme [tive] não uma, mas duas cenas em que prego um bom pontapé nos tomates de alguém»

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filme de estreia dos irmãos Coen]. Os irmãos Coen fizeram uma cena em que dou um pontapé nos tomates de alguém. Era uma daquelas cenas que criava uma pequena reação de escândalo na plateia. Era um choque. Ora bem, neste filme o realizador dá-me, não uma, mas duas cenas em que prego um bom pontapé nos tomates de alguém. Um dos poucos pontos de confluênci­a entre essas duas mulheres é este: conseguem revelar o ‘zeitgeist’, a energia dos tempos. O Fargo apareceu numa altura em que as mulheres americanas grávidas trabalhava­m até que chegasse o momento do parto. Faziam parte do mercado de trabalho de uma maneira diferente. Não vestiam batas de grávida porque não havia batas de grávida no local de trabalho. No caso deste Três Cartazes à Beira da Estrada, a situação é diferente. Neste filme, a mulher não está apenas a perder a paciência. Não está apenas zangada. Para situações desse tipo há cursos de ‘anger management’, sessões de terapia que tentam curar o temperamen­to irritado. Neste novo filme a mulher não está apenas irritada. O que temos é uma mulher em fúria. Ora bem, fúria é algo que pertence ao universo da tragédia grega. Eleva tudo a outro nível, como se a Mildred fosse uma auscultaçã­o ao mais recente espírito global. As grandes histórias do cinema têm sempre este lado. Deixam de ser apenas bons filmes e transforma­m-se em matéria de conversa. Mas, ainda sobre as diferenças entre as duas personagen­s – na última cena do Fargo a Marge Gunderson é vista na cama conjugal a dar miminhos ao marido. Está grávida e acabou de resolver um crime horrendo, provavelme­nte o caso de massacre e homicídio mais difícil e de sucesso que ela vai ter na vida. Mas o dia dela acaba com o marido a falar do selo de correio que não ganhou o concurso. Um selo de 2 cêntimos.

«Neste filme, a mulher não está apenas a perder a paciência. Não está apenas zangada»

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