A (des)graça da bola
Afrase não tem a minha paternidade, antes de um gigante das letras. «Misturo poesia com cachaça e acabo discutindo futebol».
É da lavra de Vinicius de Moraes. Granjeia, por isso, maior dimensão. O futebol é a maior droga do povo, droga lícita, absolutamente lícita, mesmo que com efeitos primários ou secundários dissemelhantes, alguns perturbadores e flagiciosos, outros glorificantes e paliativos. A graça da bola está na graça que grassa, mas também concorre para a desgraça da falta de graça que não poucas vezes também grassa.
Foi sempre assim, foi em Portugal e noutras extensões, em todas as extensões. O futebol é mago, é feiticeiro, é sem-par. «O futebol não é uma questão de vida ou de morte; é muito mais importante do que isso», escreveu Bill Shankly. «O que finalmente eu mais sei sobre a moral e as obrigações do homem devo ao futebol», escreveu Albert Camus. Afirmações amplificadas? Talvez exalçadas. Proclamo, judiciosamente, a minha paixão pelo futebol. Idolatro o seu lado excelso, entendo o seu lado perverso. Desde garoto, deixei que a bola avassalasse o meu imaginário, fiz da vida um jogo, procurando competir com argumentos lícitos, com fundamentos legítimos. Fiz da bola a minha referência primacial, num amor incontido e arrebatador, mimando a redonda num misto de sensualidade e de luxúria. Sempre na procura de golos que afiançassem valores de gratidão, de solidariedade, de justiça.
Há, na atualidade, neste cantinho lusitano, gente que maltrata a causa do futebol? Há, haverá e sempre houve. Até se pode dizer que aumentam os amantes adúlteros, degenerados ou corruptores. Só que o futebol resiste e continua a deleitar. Qual a razão? A bola, essa coisa tão linda, tão prodigiosa, tão magnânima, será sempre conveniente, decente, inocente.