Destak

Pai, a saudade nunca morre

- LUÍSA CASTEL-BRANCO Escritora

Apareces assim de repente, sem aviso. Por vezes é o teu perfume, alfazema e tabaco, que vem de sítio nenhum. Outras, poderia jurar que sinto o teu respirar no meu ombro, uma sombra que não está lá, mas que eu vejo, sei lá, sinto-te por todo o lado, sem descanso, ainda hoje, e já passaram trinta e seis anos desde que partiste.

O que pensarias que eu faço? De quem sou?

A saudade não morre, e não se transforma em nada.

É tão somente saudade do que não te disse, do que não me chegaste a dizer. De tudo o que deveríamos ter vivido, de todas as conversas, porque ainda havia tempo, e depois partes aos cinquenta e um anos, e deixas-me para aqui neste desassosse­go de alma, nesta culpa tão profunda do que não disse.

Queria tanto abraçar-te de novo, meu pai! Encostar a cabeça no teu ombro, envolvida pelo teu perfume e sabendo de antemão o quanto te incomodava qualquer manifestaç­ão de ternura. Se fosse hoje, se eu pudesse voltar atrás por breves minutos, cobriria o teu rosto de afagos e beijos molhados, e dir-te-ia vezes sem conta: amo-te! Talvez por isto tudo, não me canso de dizer aos meus filhos o quanto os amo.

Não creio que eles compreenda­m esta necessidad­e absurda. Mas não me importo. Temo partir de repente, como tu, e não lhes ter feito sentir que eles são tudo para mim, absolutame­nte tudo.

As pessoas não choram assim passados tantos anos. Ou talvez eu esteja errada. E alguém quando ler este texto reconheça a dor na alma, a dor imensa da ausência de quem se ama.

Que importa? Hoje sonhei contigo. Sorrias para mim.

In Para ti, do fundo do meu coração

Editora Clube do Autor

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal