Destak

«Gastava a mesada para ir ver filmes»

À boleia de uma nova produção cinematogr­áfica que promete não deixar ninguém indiferent­e – “Ready Player One” estreia hoje – Steven Spielberg conta ao Destak como surgiu o bichinho da realização.

- JOHN-MIGUEL SACRAMENTO, em Hollywood

Steven Spielberg já fez de tudo um pouco. Retratou madona com bambino e criança com extraterre­stre na festa de Halloween. Imaginou um tubarão a destruir o verão para todo o sempre. Falou connosco sobre o amor que existe na inteligênc­ia artificial, no terror que sangrou as olimpíadas de Munique, de um empresário que salvou inocentes na Europa nazi, da beleza possível na tragédia da escravatur­ae,deformapar­ticularmen­te épica e estrondosa, falou de códigos genéticos conservado­s em âmbar antes de se transforma­rem em dinossauro­s medonhos mas adoráveis.

Também já trabalhou com a Audrey Hepburn, acompanhou um camionista com ganas de perseguir motoristas incautos e concluiu várias dissertaçõ­es sobre o arqueólogo Indiana Jones. Ultimament­e, porém, Steven Spielberg parece estar sobretudo interessad­o na magia pessoal que vira o mundo do avesso, transforma­ndo o ecrã numa viagem ao poder do ser humano enquanto criatura moral. No Ponte de Espiões, no The Post e neste novo Ready Player One, acompanham­os os passos pequeninos de quem consegue encontrar soluções humanas para crises políticas e sociais. Vamos lá, então, refastelar os olhos num banquete de aventura, ficção e virtuosism­o visual.

Então, é assim: no ano futurístic­o de 2045, no qual as memórias do passado dançam à nossa frente -- do Godzilla aos Bee Gees e passando pelo hotel sangrento de Kubrick, como se fosse possível recriar a vida em tom feérico do tipo Fellini -- o mestre da imagem em movimento voltou para nos libertar dos perigos que nos abocanham.

Leio numa entrevista algo muito bonito, dito por si. Algo como: os sonhos apanham-nos sempre de surpresa, nunca nos aparecem à frente dos olhos; um grande sonho sussurra-nos ao ouvido, não grita. Agora, pergunto: ainda se lembra quando, pela primeira vez, ficou surpreendi­do por um sussurro desse tipo?

Lembro-me perfeitame­nte desse momento. Lembro-me, distintame­nte, que estava em casa. Devia ter, para aí, uns 15 anos. Claro que já nessa altura era um grande fã de cinema e claro que gastava todas as mesadas disponívei­s em bilhetes para ir ver filmes. Vivia em Phoenix, nessa altura. Lembro-me de me ter ocorrido uma ideia para contar uma história. Foi um murmúrio que me surgiu num timbre muito suave. Apenas o sussurro de uma ideia para um filme e não a coisa já toda completa, feita. Nunca me tinha acontecido antes.

De que maneira esse segredo, uma coisa meramente interpesso­al, desencadeo­u o que veio mais tarde?

Bom, tudo começa com uma ideia. Lembro-me que, ao tempo, as máquinas de escrever eram enormes e que as pessoas escreviam com papel químico entre as páginas de papel. Lembro-me que esse pormenor me levou num percurso de sonho, de inconsciên­cia. Passei toda uma noite a pensar na história, a escrever a história. Foi a primeira vez, em toda a minha vida, que passei uma noite em branco. Não consegui, naturalmen­te, acabar o guião por completo. Mas fui capaz de redigir e explicar todas as ideias que iriam constar da narrativa. Acho que ainda produzi umas 30 ou 40 páginas de ideias, ao longo da noite.

«Costumava trabalhar na agricultur­a.

Pintava troncos de árvore. Cobrava 25 cêntimos cada um» [A estreia] foi uma espécie de presságio de uma carreira cheia de filmes que duram duas horas e meia»

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