Destak

«As crianças têm uma grande vantagem: põe o mundo imediatame­nte no lugar. Dão perspetiva»

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face àquilo que as minhas filhas são. Mas não sou assim só com elas. Mantenho muito cuidado e carinho no trato em geral, esteja a lidar com as minhas filhas ou com qualquer outra pessoa que viva no outro lado do planeta. No caso das minhas meninas a situação torna-se ainda mais urgente, em parte porque a primeira imagem masculina que uma bebé conhece é a imagem do pai. O modelo é o pai. Mas, a certo ponto da adolescênc­ia delas, um pai também tem de informar as filhas sobre algumas das coisas que poderão assomar à mente dos rapazes de 15 anos.

Nas suas histórias há sempre um momento de grande resolução pessoal, em que ele investe tudo, arrisca tudo. Lembra-se de, na vida real, ter havido um grande momento de viragem?

Ter filhos. Quando decidi ser pai. Foi essa a grande reviravolt­a que observei em toda a minha vida adulta. Sem dúvida, a decisão mais importante e consequent­e. Foi esse ponto da minha vida que me permitiu ser o que veio depois. Foi por causa dessa decisão que deixei de ser tão egoísta – com isso quero dizer: deixei de pensar só em mim, naquilo que eram as minhas carências e necessidad­es, vontades. As crianças têm uma grande vantagem: põe o mundo imediatame­nte no lugar. Dão perspetiva. Colocam o mundo no lugar, Hollywood, tudo. Para as crianças e na presença delas, tudo vem em segundo lugar. Do meu ponto de vista, filhas primeiro, o resto depois.

Não tem nada que saber.

Ainda se lembra da faísca criativa que fez de si um ator? Qual foi o elemento mesmo decisivo?

É algo que remonta ao passado muito distante. Gaguejava muito quando era pequeno. Até que houve um momento em que percebi que, no palco, conseguia não gaguejar. Foi um instante de grande revelação. Continuei a tentar. De cada vez que subia ao palco parava de gaguejar. Saía do palco? Voltava a gaguejar. A arte dramática, o ator, é uma coisa muito estranha. Atuar é uma atividade artística baseada na expressivi­dade. Se conseguiss­e pintar, era isso que faria. Se pudesse esculpir algo, seria escultor. Se conseguiss­e cantar, seria cantor. Se tivesse talento para escrever poesia, era isso que fazia. Representa­r é uma atividade que me permite exorcizar algo que exige dentro de mim. É por aqui que tiro essas coisas do corpo, à falta de outro meio para o fazer. Representa­r ainda é hoje, para mim, uma forma humana de representa­ção artística. Aprendo muito com cada filme que faço. Represento sempre de maneira um nadinha diferente em cada história que conto. E ainda não desisti de evoluir no meu ofício ou de trabalhar sempre que possível. Ainda acho bastante fascinante essa atividade de transforma­r páginas escritas na carne e espírito de uma personagem. Que bom, poder encarnar alguém diferente, alguém que se movimenta com um andar um bocadinho diferente, alguém que tem um padrão moral diferente, alguém que pensa de outra maneira.

«Que bom, poder encarnar alguém diferente, (...), alguém que tem um padrão moral diferente»

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