O tesão da tensão
Um dos meus sobrinhos fez anos. Decidiu comemorar comigo, para minha lisonja, num jantar que fiz questão de ter a participação de Hilário e de Simões, dois enormes amigos de há muitos anos, símbolos maiores dos seus clubes, Sporting e Benfica. A ideia nada teve de inocente, sabendo a enorme paixão e dedicação que o meu sobrinho, também para minha lisonja, confere ao fenómeno futebol.
Foram horas de bola cúmplice, sedutora, feiticeira mesmo. Dois adversários de múltiplas jornadas nunca divergiram no decurso da bonita tertúlia. Recordaram, com percetível emoção e saudade, os tempos em que jogadores do Benfica e do Sporting, pouco depois de se defrontarem, na Luz ou em Alvalade, após ferinos, populares e não menos mediáticos embates, se reuniam sem mácula, muito menos ignomínia, no mais cabal e até enternecedor espírito de franqueza e amizade. Com valimento pode e deve falar-se de cultura desportiva. Hilário e Simões constituem dois exemplos de um rol infindável numa altura em que o futebol otimizava a vertente romântica em detrimento de discussões estéreis, sectárias ou intolerantes. Imagine-se que há décadas, muitas décadas, tive um tio, felizmente ainda vivo, a quem o médico recomendou que fosse ao futebol insultar o árbitro para libertar energia belicosa. Verdade, verdade insofismável. Na atualidade, talvez não haja profissionais de saúde a prescreverem semelhante receituário, mas o tesão da tensão grosseira e faciosa parece estar em crescendo e são inúmeras as manifestações nos recintos competitivos.
Deixo uma pergunta: se nos estádios ou pavilhões os assistentes fossem apenas praticantes desportivos, a despeito das modalidades predilectas ou das suas cores de preferência, será que haveria conflitos ou se viveria uma atmosfera de cortesia e civismo?