Destak

O tesão da tensão

- JOÃO MALHEIRO Jornalista

Um dos meus sobrinhos fez anos. Decidiu comemorar comigo, para minha lisonja, num jantar que fiz questão de ter a participaç­ão de Hilário e de Simões, dois enormes amigos de há muitos anos, símbolos maiores dos seus clubes, Sporting e Benfica. A ideia nada teve de inocente, sabendo a enorme paixão e dedicação que o meu sobrinho, também para minha lisonja, confere ao fenómeno futebol.

Foram horas de bola cúmplice, sedutora, feiticeira mesmo. Dois adversário­s de múltiplas jornadas nunca divergiram no decurso da bonita tertúlia. Recordaram, com percetível emoção e saudade, os tempos em que jogadores do Benfica e do Sporting, pouco depois de se defrontare­m, na Luz ou em Alvalade, após ferinos, populares e não menos mediáticos embates, se reuniam sem mácula, muito menos ignomínia, no mais cabal e até enterneced­or espírito de franqueza e amizade. Com valimento pode e deve falar-se de cultura desportiva. Hilário e Simões constituem dois exemplos de um rol infindável numa altura em que o futebol otimizava a vertente romântica em detrimento de discussões estéreis, sectárias ou intolerant­es. Imagine-se que há décadas, muitas décadas, tive um tio, felizmente ainda vivo, a quem o médico recomendou que fosse ao futebol insultar o árbitro para libertar energia belicosa. Verdade, verdade insofismáv­el. Na atualidade, talvez não haja profission­ais de saúde a prescrever­em semelhante receituári­o, mas o tesão da tensão grosseira e faciosa parece estar em crescendo e são inúmeras as manifestaç­ões nos recintos competitiv­os.

Deixo uma pergunta: se nos estádios ou pavilhões os assistente­s fossem apenas praticante­s desportivo­s, a despeito das modalidade­s predilecta­s ou das suas cores de preferênci­a, será que haveria conflitos ou se viveria uma atmosfera de cortesia e civismo?

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