Observações de uma praia tardia
Setembro teimou finar-se com um sol esplendoroso e um calor insólito. Convidados para regressar à praia, aí estivemos. Com menos gente. E mais capacidade de observação. Não resisti, confesso, a este telúrico convite. E, como quase sexagenário, entretive-me na observação antropológica.
E o que vi, além da areia serena e do mar transparente? Muitos gerontes, como eu, absorvendo esta abençoada surpresa metereológica. E o retrato da sociedade hodierna. Grupos de jovens que centravam a sua interlocução balnear nos telemóveis e ipads, ensaiando ângulos sensuais e consumando sessões fotográficas junto ao mar, de pé ou provocantemente deitados na borda da água, exibindo a sua semi-nudez em jeito de sensualidade marítima.
A quantidade de jovens, essencialmente mulheres, que ostracizavam a beleza da praia e o afago do Atlântico em benefício da melhor e mais insinuante imagem para partilhar nas plataformas digitais, é impressionante. O que nos permite, sem sombra de dúvida, concluir que este tempo é de um incontrolável hedonismo. Cada um daqueles jovens – e alguns não tão jovens assim –, indiferentes à beleza do mundo, vive debruçado sobre si mesmo, querendo ser apreciado pela lascívia da difusão do seu corpo descoberto espalhado pelo mundo cibernético, colhendo “likes” e “emojis”.
O espectro de uma praia recheada de jovens fotografando-se a si próprios em estranhas ginásticas de exibicionismo para rápida difusão digital é uma imagem de uma sociedade doente, moralmente decrépita e sem outros valores que não o culto de um serôdio narcisismo.
O autor opta por escrever de acordo com a antiga ortografia