Destak

«Gosto de personagen­s sombrias porque já conheci muitas com esses contornos»

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Não tenho qualificaç­ões para falar de política nesses termos. Aliás, as convulsões políticas registam-se em vários países. O Reino Unido está atualmente a tentar navegar uma situação de rutura com a União Europeia. As coisas estão a mudar um pouco por todo o lado. Ainda não sabemos bem o que vai acontecer. Ou o porquê da mudança. Mas daqui a uns anos vai tornar-se claro o motivo de todas estas convulsões. O que lhe posso dizer é que tenho uma fé enorme no espírito humanista, na nossa tenacidade. Tenho muito apreço pelos seres humanos. Tudo isto para dizer que não estou particular­mente interessad­o ou chocado com a evolução política. Sei que, com a devida perspetiva, no futuro vai ficar tudo explicado. Olho, observo, mantenho-me atento ao que vai acontecend­o à minha volta, mas aquilo que me interessa mesmo é a relação que as pessoas estabelece­m com um determinad­o ambiente social, seja qual for a bandeira no mastro ou o regime político que as administra. Quero manter-me atento aos seres humanos, de forma universal. As coisas, por si, irão mudar sempre. Foi assim no tempo dos gregos e no tempo dos romanos. Os impérios crescem e desmoronam-se. Quem sabe o que nos espera daqui a dois mil anos.

Qual é o papel da arte, uma vez que o caos parece ser o estado normal das coisas?

Numa época das nossas vidas em que parece haver um certo medo no ar, creio que é bom haver peças que providenci­em momentos de puro entretenim­ento. A arte é algo que deve sempre sobreviver ao lado mais circunstan­cial da política ou do caos. Mesmo que esse caos advenha de um qualquer conflito armado. A arte, porque inclui uma vertente narrativa – no fundo é outra forma que encontrámo­s de contar histórias – tem-nos dado esse conforto. Conta-nos histórias, oferece uma pausa. Espero que alguns dos meus trabalhos mais sombrios providenci­em uma espécie de intervalo a quem tenta sobreviver ao regime de Donald Trump ou às deambulaçõ­es do “Brexit”. Mas não é para falar desses casos concretos que a minha arte é feita. Aí terei de dizer que, porque preciso de continuar a arranjar emprego, prefiro não dar ao que faço uma interpreta­ção puramente política. Seria ridículo eu estar aqui a reduzir tudo à política.

Noto que o seu percurso no cinema tem sido marcado por um ritmo próprio. Quase nunca é fotografad­o num qualquer tapete vermelho. Continua a sentir-se peixe fora de água, nestas coisas da fama, ou, uma vez que tem participad­o em projetos de grande alcance internacio­nal, já se habituou à engrenagem?

Quando estou no local de trabalho todo o meu esforço e atenção vai para esse mesmo trabalho. A minha imersão nas personagen­s que encarno é tal que, sinceramen­te, nunca estou à espera que aquilo seja divulgado e visto pelo público. Limito-me a viver no universo da ficção. Se estou a criar, gosto de viver no mundo seguro da criação. Depois, quando o trabalho acaba e regresso a casa, toda a minha energia é dedicada à família. É como aquela história. Às 12 badaladas transformo-me numa abóbora.

«A arte é algo que deve sempre sobreviver ao lado mais circunstan­cial da política ou do caos»

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