Estações do ano
Que saudades que eu tinha deste frio, das manhãs com um nevoeiro que cobre o rio e um vento que já foi forte e agora é brisa numa rua, e vira-se a esquina e ganha força como se quisesse levar-nos a caminho sabe-se lá de onde! Que saudades que eu tenho quando as estações do ano vinham em tempo certo, como comboios que apitam e as gentes se alinham para entrar.
Sabíamos quando vinha a geada e a terra também. Sabíamos quando o estio estava prestes e a terra também.
E as estações do ano regulavam-nos a vida. Como um relógio gigante, a natureza mostrava quem mandava no universo e nós agradecíamos.
Sabíamos quando vestir o casaco fininho, quando a nossa mãe colocava os cobertores de papa, quando começar a sonhar com o Natal. Hoje nada é igual.
Virou-se o mundo num rompante e o universo zangou-se. Os deuses lá em cima olharam e crispando os rostos, imagino eu, desistiram de nós, ou desistiram de nos mostrar uma vez mais, de tantas, e tantos séculos, o que estava certo e o que era terrivelmente errado.
E os homens ignoraram os avisos. Fecharam os ouvidos às mensagens e agora estamos aqui. As estações do ano perderam-se na confusão e surgem quando lhes apetece, às vezes as quatro no mesmo dia, como meninos que brincam à apanhada.
E pelo mundo fora chegam-nos notícias que nos parecem mentira, mas não são. Como se os seres humanos tivessem já esquecido os tempos das guerras, da fome, das perseguições.
E ao mesmo tempo que pensamos que somos livres porque podemos tudo dizer e tudo fazer, nunca estivemos tão próximo de cavarmos diligentemente a nossa própria sepultura.
Que saudades que eu tinha deste frio.
Fecho os ouvidos às notícias, fecho os olhos à realidade, e deixo-me levar pelo frio que me lambe. E sou outra vez criança e tudo faz sentido.