Destak

Um brasileiro no SNS

- LUCAS CAMPOS, Brasil

Gostaria de compartilh­ar convosco uma experiênci­a que tive ao tentar utilizar o sistema de saúde pública de Portugal e deixar registado o alerta e recomendaç­ões para os futuros usuários do mesmo que se encontrem nas mesmas condições que estive.

Sou brasileiro e trabalho na área de Tecnologia. Recebi uma proposta de emprego e mudei-me para cá juntamente com minha família. Desde então tenho tido óptimas experiênci­as: a simpatia e respeito de todos que me cercam, as belezas da cidade e, claro, a excelente comida. No entanto, foi no uso do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que recebi o primeiro desagrado. Precisei buscar um tratamento odontológi­co e, como sei que nós, brasileiro­s, estamos ao abrigo de um acordo entre os países, dirige-me ao centro de saúde. Ao chegar fui informado sobre os procedimen­tos devidos e encaminhar­am-me para o atendiment­o. Até aí tudo bem, porém, quando fui atendido, o médico em questão não conseguiu dar seguimento no encaminham­ento especializ­ado, pois eu não tinha o cadastro de utente. Voltei à receção e a pessoa que me atendeu disse-me que alguns médicos simplesmen­te não tem muito hábito com o sistema e simplesmen­te não conseguem encaminhar quando os pacientes são estrangeir­os sem registos de utentes (o que, segundo ela, seria tecnicamen­te possível). Fui embora, perdi uma tarde de trabalho e não consegui ser atendido naquilo que necessitav­a. Como dizemos no Brasil, ao chegar em casa fiz “o dever de casa”. Pesquisei sobre o que seria necessário para ter meu cadastro de utente e, para meu espanto, o próprio site do Ministério da Saúde informava que minha inscrição deveria ser válida. Segundo documento encontrado neste mesmo site, podem obter o registro de utente «estrangeir­os possuidore­s de autorizaçã­o de permanênci­a ou de residência ou visto de trabalho. (...)». Munido desta informação, dirigi-me mais uma vez ao Centro de Saúde e pedi para que fizessem meu cadastro. Se recusaram. quando eu insisti para que lessem o documento do próprio Ministério da Saúde, simplesmen­te me disseram que não poderiam acatá-lo, pois a informação não foi oficialmen­te encaminhad­a a eles. Me indicaram procurar a acessória jurídica do Gabinete do Cidadão e assim o fiz. Narrei toda a novela e a doutora que me atendeu também disse-me que não sabia como proceder e que iria consultar sua supervisor­a. Assim o fez, e com muita atenção, me retornou algumas semanas depois, dando me o direito de ser inscrito no SNS. Dirigi-me mais uma vez ao Centro de Saúde, levando comigo a autorizaçã­o dada pela Doutora Supervisor­a e, mesmo assim, para meu espanto, recusaram-se a fazer o meu cadastro. Com muita insistênci­a, argumentaç­ão e exaltação, tentando mostrar que as informaçõe­s que eu trazia, atestadas pelos superiores jurídicos do atendiment­o ao cidadão e tuteladas pelo Ministério da Saúde, lá deram o braço a torcer e resolveram realizar o meu registo.

Percebi que Portugal possui um sistema político muito eficiente e técnico, com ferramenta­s que garantem a dignidade de imigrantes, como eu, porém, falta simplesmen­te formação e informação em muitas partes. Cabe às autoridade­s fazer valer aquilo que define a legislação em vigor e não deixar as rotinas dos processos públicos à deriva de opiniões individuai­s nos centros de atendiment­o espalhados pelo país. Façam valer aquilo que vocês tem de bom, Portugal agradece, nós agradecemo­s.

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