Um brasileiro no SNS
Gostaria de compartilhar convosco uma experiência que tive ao tentar utilizar o sistema de saúde pública de Portugal e deixar registado o alerta e recomendações para os futuros usuários do mesmo que se encontrem nas mesmas condições que estive.
Sou brasileiro e trabalho na área de Tecnologia. Recebi uma proposta de emprego e mudei-me para cá juntamente com minha família. Desde então tenho tido óptimas experiências: a simpatia e respeito de todos que me cercam, as belezas da cidade e, claro, a excelente comida. No entanto, foi no uso do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que recebi o primeiro desagrado. Precisei buscar um tratamento odontológico e, como sei que nós, brasileiros, estamos ao abrigo de um acordo entre os países, dirige-me ao centro de saúde. Ao chegar fui informado sobre os procedimentos devidos e encaminharam-me para o atendimento. Até aí tudo bem, porém, quando fui atendido, o médico em questão não conseguiu dar seguimento no encaminhamento especializado, pois eu não tinha o cadastro de utente. Voltei à receção e a pessoa que me atendeu disse-me que alguns médicos simplesmente não tem muito hábito com o sistema e simplesmente não conseguem encaminhar quando os pacientes são estrangeiros sem registos de utentes (o que, segundo ela, seria tecnicamente possível). Fui embora, perdi uma tarde de trabalho e não consegui ser atendido naquilo que necessitava. Como dizemos no Brasil, ao chegar em casa fiz “o dever de casa”. Pesquisei sobre o que seria necessário para ter meu cadastro de utente e, para meu espanto, o próprio site do Ministério da Saúde informava que minha inscrição deveria ser válida. Segundo documento encontrado neste mesmo site, podem obter o registro de utente «estrangeiros possuidores de autorização de permanência ou de residência ou visto de trabalho. (...)». Munido desta informação, dirigi-me mais uma vez ao Centro de Saúde e pedi para que fizessem meu cadastro. Se recusaram. quando eu insisti para que lessem o documento do próprio Ministério da Saúde, simplesmente me disseram que não poderiam acatá-lo, pois a informação não foi oficialmente encaminhada a eles. Me indicaram procurar a acessória jurídica do Gabinete do Cidadão e assim o fiz. Narrei toda a novela e a doutora que me atendeu também disse-me que não sabia como proceder e que iria consultar sua supervisora. Assim o fez, e com muita atenção, me retornou algumas semanas depois, dando me o direito de ser inscrito no SNS. Dirigi-me mais uma vez ao Centro de Saúde, levando comigo a autorização dada pela Doutora Supervisora e, mesmo assim, para meu espanto, recusaram-se a fazer o meu cadastro. Com muita insistência, argumentação e exaltação, tentando mostrar que as informações que eu trazia, atestadas pelos superiores jurídicos do atendimento ao cidadão e tuteladas pelo Ministério da Saúde, lá deram o braço a torcer e resolveram realizar o meu registo.
Percebi que Portugal possui um sistema político muito eficiente e técnico, com ferramentas que garantem a dignidade de imigrantes, como eu, porém, falta simplesmente formação e informação em muitas partes. Cabe às autoridades fazer valer aquilo que define a legislação em vigor e não deixar as rotinas dos processos públicos à deriva de opiniões individuais nos centros de atendimento espalhados pelo país. Façam valer aquilo que vocês tem de bom, Portugal agradece, nós agradecemos.