Ainda sobre a Justiça...
Este despertar súbito e infrene para as questões da Justiça pode induzir os mais incautos à conclusão de que a situação é nova e resolúvel. Aos inocentes que alimentam esta esperança recomendo a leitura da obra do Dr. Sousa Lamy Advogados e Juízes na Literatura e na Sabedoria Popular. Constatarão que a questão da morosidade e mau funcionamento dos Tribunais constitui problema endémico. Entre 1786 e 1787, cantava já o Abade de Jazente nas suas Poesias: “Citado o Réu, a Acção distribuída, / Oferece-se o Libelo, na Audiência, / Entra logo uma cota, uma incidência, / Apenas em dez anos discutida. / Contraria-se tarde; ou recebida / Uma excepção, faz nova dependência: / Crescem as dilações, e a paciência / Uma das partes perde, ou perde a vida. (...)” Descobrirão recorrentes preocupações sobre a idade dos juízes. Desde o rifão popular “Deus nos livre de justiça nova e de escrivão de finanças velho” à asserção, de inquietante actualidade, que Camilo José Cela põe na boca de Tomás Cerudellao Cavilador: “- É muito perigoso que os juízes sejam novos e convencidos, um juiz deve ser sereno, velho e céptico, dado que a justiça não tem por missão arranjar o mundo mas sim evitar que se deteriore mais, isso basta. Quando um juiz se sente depositário dos valores morais da sociedade, a justiça ressente-se e range.” Encontrarão alusões à violação do segredo de justiça com mais de um século, como a constatação do dramaturgo francês Eugéne Brieux, datada de 1900: “Hoje, a instrução não se faz no gabinete do juiz, mas na praça pública ou nas redacções dos jornais.” Enfim, verão que os problemas da Justiça são de antanho.
O que nos faz descrer das recorrentes promessas de reformas…
O autor opta por escrever de acordo com a antiga ortografia