«Um negro nos EUA não pode dizer que todas as vidas têm o mesmo valor porque não é isso que sente na rua»
são vividas todos os dias pelo cidadão afro-americano. Contoume mesmo uma história horrenda passada na cidade de Londres. Confirma isso, que a sua situação de mulher negra está cheia de momentos de grande choque?
Absolutamente. O Barry Jenkins também tem uma história magnífica sobre esse tema – e, quando digo “magnífica”, é para não usar outra palavra menos bonita, mas mais adequada ao que se passou – passada com ele durante os dias que antecederam a grande vitória do seu filme Moonlight nos Óscares 2017. Uma coisa de partir o coração. Teve a ver com um dos motoristas contratados para o conduzir. Mas é exatamente por causa disso que é muito importante continuar a contar estas histórias, lembrar às pessoas que o tema do racismo existe, é atual e que tem de ser enfrentado.
Vi o filme com um público maioritariamente branco, numa parte da cidade maioritariamente branca. Fiquei muito afetado pela dor e pela beleza da obra mas, quando disse a um amigo para ir ver o filme, ele que é polícia, negro, a resposta foi: “Não me apetece porque me deixaria triste. Sou um realista. E a situação racial da atualidade já é suficientemente má.” Como acha que o filme tem sido recebido pelas plateias maioritariamente negras?
Já estão a adorar. Por uma razão muito simples: porque se reveem naquilo que lhes está a ser contado. Desta vez não estamos no cinema a observar farsas ou caricaturas daquilo que somos. Sentimos que o cinema está finalmente a refletir a nossa experiência pessoal, das nossas famílias. Também gostamos de saber que, quando as sondagens de opinião foram feitas, o público não negro saiu do cinema a sentir o grande abraço carinhoso do amor. Isso, para mim, confirma apenas aquilo que eu já sabia: o amor é um sentimento universal e transversal. Não tem cor. Acho que toda a gente gosta do filme porque passa a ser fácil perceber que foi através do amor que conseguimos atravessar tudo aquilo que nos tem afligido. Mas ainda há mais para palmilhar, lugares onde chegar, até que nos seja permitida a sensação de que todas as vidas, brancas ou negras ou outras, são importantes. Todas as vidas contam. De momento ainda não podemos dizer isso com sinceridade. Um negro americano não pode dizer que todas as vidas têm o mesmo valor porque não é isso que, na perspetiva dele, sente na rua. Espero que o seu amigo polícia volte com notícias de que já viu o filme e que gostou imenso.
Ainda sobre o percurso das personagens do filme: é boa a gerir
Sim, sou fantástica a enfrentar crises. Mas depende da crise. [risos]. Quer dizer, sou suficientemente esperta para saber entregar a outra pessoa a gestão da crise em causa se ficar claro para mim que não estou à altura do desafio em mãos. No caso deste filme, o que aquela mãe percebeu foi que naquela casa não iria haver espaço para a vergonha. Sentiu a vergonha e o embaraço na voz da filha e percebeu que teria de lhe retirar esse peso dos ombros.