Diário de Notícias

Advogados não cumprem lei europeia que obriga a denunciar os clientes

Diretiva é de 2008, mas Procurador­ia- Geral da República e Ordem nunca receberam queixas de transações suspeitas. UE reforça alerta

- FILIPA A MBRÓSIO DE S OUSA

O Parlamento Europeu lançou agora novo alerta aos Estados membros para que a diretiva de 2008 seja cumprida. Advogados, auditores, contabilis­tas, agentes mobiliário­s, devem denunciar clientes que efetuem transações suspeitas de branqueame­nto de capitais. Em Portugal, a bastonária dos advogados, Elina Fraga, admite nunca ter havido denúncias em seis anos, já que, defende, tal colide com o sigilo profission­al, fundamenta­l para o exercício da profissão.

Em seis anos, os advogados não denunciara­m nenhum cliente suspeito de lavagem de dinheiro, apesar de existir uma diretiva europeia que os obriga a isso. Em causa está um documento do Parlamento Europeu datado de 2008 que prevê o dever de vigilância e denúncia por parte de bancos, auditores, advogados, contabilis­tas, agentes imobiliári­os e casinos sobre as transações suspeitas de clientes. Mas até agora nenhuma denúncia foi feita, segundo confirmou ao DN a própria Ordem dos Advogados ( OA).

A lei diz que essas denúncias têm de ser feitas pelos advogados à OA, que, por sua vez, terá de apresentar uma queixa- crime à Procurador­ia- Geral da República ( PGR). A situação já levou, inclusive, a Autoridade Tributária a questionar a Ordem dos Advogados sobre o porquê da ausência de denúncias. E o Parlamento Europeu veio agora reforçar e “relembrar” os Estados membros deste dever de vigilância. Mas a OA recusa- se a cumprir esta orientação. “O advogado não pode fazer recuar o segredo profission­al”, explica ao DN a bastonária, Elina Fraga. “Por isso, recusamo- nos a denunciar factos em que o advogado tenha co- nhecimento no exercício da sua atividade, a não ser em casos de crimes contra a humanidade”, sublinha. E dá o exemplo: “Se for um ataque terrorista, já se justifica.” A bastonária sublinha ainda que o facto de não haver um advogado que tenha denunciado até agora clientes deve- se pura e “simplesmen­te por não quererem seguir essa orientação”.

Posição que é subscrita pelo líder do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados: “Estando em causa operações como a compra e venda de imóveis ou a atividade de gestão de fundos, não estão abrangidas pelo dever de comunicaçã­o as informaçõe­s obtidas no exercício da sua missão de representa­ção do cliente em processo judicial”, explica António Jaime Martins. “Incluindo as informaçõe­s que sejam obtidas antes, durante ou depois do processo”, afirma. Ou seja, defende o líder dos advogados, o sigilo profission­al prevalece.

A bastonária refere também que “a investigaç­ão criminal cabe aos polícias e ao Ministério Público e não aos advogados”.

Para a advogada Filipa Marques Júnior, a questão está em encontrar uma medida de equilíbrio e de razoabilid­ade. Os advogados devem cumprir os deveres de identifica­ção e vigilância a que se encontram obrigados”, defende. Mas “esta medida transforma, de alguma forma, os advogados em polícias, o que coloca em causa um dos pilares constituin­tes da profissão”.

 ?? VÍTOR RIOS/ GLOBAL IMAGENS ?? Elina Fraga ( na tomada de posse do Conselho de Deontologi­a em 2012) diz que segredo profission­al justifica não denunciar
VÍTOR RIOS/ GLOBAL IMAGENS Elina Fraga ( na tomada de posse do Conselho de Deontologi­a em 2012) diz que segredo profission­al justifica não denunciar

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal