Muçulmanos portugueses querem construir uma nova mesquita na Mouraria
Lisboa prepara- se para a construção do segundo espaço de culto islâmico, este bem no centro da cidade. A sul do Tejo também se sonha com um edifício próprio. E no Porto existem promessas de financiamento, falta um terreno
Lisboa tem já uma grande mesquita, mas outra vem a caminho e bem no centro. No Porto existem promessas de financiamento para local de culto islâmico, mas falta um terreno.
Imaginava que a praça de touros do Campo Pequeno era uma mesquita. Viu na esplanada do Príncipe Real um local de culto. Anedota? Não. Mas Abdool Vakil, o presidente da Comunidade Islâmica de Lisboa, acabava de chegar de Moçambique e não tinha a noção de quanto o islão aqui era desconhecido. Passaram 59 anos e há mais de 50 salas para as orações dos muçulmanos. Construíram a Mesquita Central de Lisboa, converteram três lojas na Mesquita Aisha Siddika de Odivelas e preparam- se para voltar a ter mesquitas de raiz na Mouraria, como no tempo dos mouros, no projeto Praça da Mouraria.
“A Mesquita Central fica na Praça de Espanha e estamos no Martim Moniz. É muito longe, tem de se ter o passe. Aqui há muitos muçulmanos, vivemos aqui e trabalhamos aqui. Fazemos cinco orações diárias, não dá para ir à Praça de Espanha.” Razões de Mohd Mohabub, 44 anos, comerciante ( roupa e souvenirs) e que chegou a Portugal há dois anos. Queixas dele e de quem frequenta a Mesquita Bai- tul Mukarram, no Beco de São Marçal, na Baixa lisboeta.
É uma sala com dois pisos e que fica lotada na oração da hora do almoço de sexta- feira ( jum’ah), o que levou ao aluguer de um segundo espaço na Rua do Terreirinho. E não tem uma área reservada às mulheres. O primeiro espaço é da comunidade, 240 mil euros pagos em prestações, de que falta pagar 60 mil. O segundo é alugado e os dois serão mantidos mesmos depois de a Praça da Mouraria estar concluída.
O projeto está feito, o espaço adjudicado, falta libertar os terrenos e demolir os prédios, entre estes a casa cor- de- rosa da Rua da Palma, propriedade da Câmara Municipal de Lisboa ( CML) e onde está instalada uma loja chinesa e uma garagem. Tem uma segunda frente para a Rua do Bem Formoso e sobre a qual Rana Uddin, o presidente da Comunidade Islâmica do Bangladesh e vice- presidente da Associação Europeia do Bangladesh, comenta: “Pode dizer- se que a rua é nossa.” Isto porque porta sim, porta sim há uma loja de imigrantes originários da Ásia: telecomunicações, mercearias, talhos, restau- rantes, roupas, souvenirs, artigos orientais, jornais e revistas.
Rana Uddin é o líder das comunidades de imigrantes parceiras da CML no projeto arquitetónico. “Os árabes estiveram em Portugal há muitos anos, é a história do país. Muitas aldeias portuguesas têm nomes árabes, existem entre 1500 e 3000 palavras árabes na língua portuguesa e a Mouraria tinha duas mesquitas”, explica. O argumento histórico e a concentração de muçulmanos nas ruas que envolvem o Martim Moniz convenceram o presidente da autarquia a avançar com a Praça da Mouraria, uma ideia lançada em 2000.
“Prevê a criação de um espaço público e a construção de três blocos, com funções polivalentes, e a transferência de um espaço de culto já existente na Mouraria. Trata- se, portanto, de um realojamento, onde se acrescentam valências importantes para a integração social desta comunidade, numa zona cuja história remete para a manutenção da presença islâmica na cidade após a reconquista cristã”, explicam ao DN do gabinete do vereador do Urbanismo, Manuel Salgado. Aliás, a Mouraria deve o nome aos mouros, já que esta foi a zona que lhes destinou D. Afonso Henriques após a conquista de Lisboa aos árabes, em 1147.
Foi celebrado um protocolo entre a CML e o Centro Islâmico do Bangladesh, a 31 de janeiro de 2013, para a instalação da mesquita. A autarquia suporta os custos da cons- trução, cerca de três milhões de euros, que, tanto quanto o DN apurou, virão de fundos comunitários. O Centro Islâmico do Bangladesh suporta o projeto arquitetónico – do gabinete de Inês Lobo e já pago pela autarquia – e que, segundo Rana Uddin, custará 250 mil euros.
“A comunidade não é rica, mas se todos ajudarem conseguiremos esse dinheiro. Faremos um peditório entre os muçulmanos a nível nacional”, diz Rana, salientando que as embaixadas restringiram os apoios depois dos atentados do 11 de Setembro. E que, quando há ajuda dos países árabes, vem diretamente das autoridades ou de empresários locais. Pagaram a primeira parcela e têm a promessa de que a Praça da Mouraria ficará concluída em três anos logo que comecem as demolições.
O bairro da Mouraria tem sido palco de entrada e fixação de forasteiros. Nos últimos anos, são os nascidos no Bangladesh, no Paquistão, na Índia e no Nepal que nele se fixam, rostos de uma imigração que ganha terreno a outras comunidades, como as africanas e as brasileiras. “São os oriundos dos países asiáticos que mais vêm para
Portugal atualmente. Chegam de outros países europeus, como a Alemanha, a França, a Espanha, até a Dinamarca, onde estão ilegais, para conseguirem legalizar- se aqui. É muito mais fácil. Uma pessoa chega, procura um patrício que lhe dê emprego, paga a Segurança Social e, ao fim de uns meses, pede a legalização”, explica Rana Uddin. Chegou a Portugal em 1991, quando havia cinco imigrantes do Bangladesh. É empresário no ramo da importação e exportação.
São 13 mil os residentes legais oriundos do subcontinente indiano, segundo o relatório do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ( SEF) de 2013. Rana Uddin argumenta que se terão legalizado 20 mil imigrantes hindustânicos e que cinco a seis mil remigraram para outros países europeus depois de adquirida a nacionalidade portuguesa, o que lhes permite circular livremente pelo espaço Schengen. Além de que deixam de contar nas estatísticas nacionais da imigração.
O presidente do Centro Islâmico do Bangladesh estima que dois mil cidadãos hindustânicos vivam na Mouraria e, destes, 900 nasceram no seu país. O bairro pertence à antiga freguesia do Socorro, que tinha uma população de 3065 pessoas nos Censos de 2011. O SEF indica 1733 imigrantes do Bangladesh, mas tanto Rana como a sua embaixada em Portugal estimam que sejam cinco a seis mil. Mesquitas de raiz a sul e a norte? As novas comunidades de imigrantes alteraram a sociologia dos muçulmanos residentes em Portugal, estimados em 50 mil. Abdool Vakil diz que já foram mais, entre 60 e 70 mil, e que continuam em maioria os originários de Moçambique e da Guiné- Bissau, vindos após a independência dessas nações. A Área Metropolitana de Lisboa, a sul e a norte do rio Tejo, concentra a comunidade islâmica.
E a comunidade da Margem Sul anseia por uma mesquita construída de raiz. “O mais importante é encontrar um terreno, a partir daí é mais fácil conseguir apoios para a construção”, sonha Zeinal Abedin, 35 anos, nascido em Moçambique, dirigente da comunidade islâmica da Margem Sul. “Há muitos muçulmanos na Margem Sul”, justifica. Está a pensar em Laranjeiro, Almada, Barreiro, Cruz de Pau, Corroios e Seixal.
Na Área Metropolitana do Porto viverão cinco mil muçulmanos, também anseia por uma mesquita construída de raiz, já que a principal, a Mesquita Hazrat Bilal, destina às mulheres um metro quadrado da sala isolado dos homens por uma cortina. E a Mesquita Hazrat Hamza é ainda mais pequena.
“Estamos muito apertadas, não há condições. Tenho fé de que se construa uma de raiz”, acreditam Abi Nanqui, 17 anos, natural do Senegal, e Maria Sani, 42 anos, da Guiné- Bissau. Tiveram a promessa de um terreno da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, “muito longe”, justifica Abdul Manjá, o presidente do Centro Cultural Islâmico do Porto. Tem 66 anos, é gestor e deixou Moçambique há 31 anos. A nova mesquita seria o maior legado que Manjá gostaria de deixar à sua comunidade. “Este espaço é muito pequeno e tentamos encontrar uma solução. Precisamos do apoio da câmara para encontrar um terreno, até porque temos promessas de apoios financeiros.”