Diário de Notícias

“Se calhar há medicament­os que já estão demasiado baratos”

Braço direito de Paulo Macedo e antigo consultor de Cavaco Silva fala dos desafios de um ministério sempre polémico, do trabalho que teve e do que está por fazer para equilibrar as contas do Serviço Nacional de Saúde. Leal da Costa critica programa do PS,

- ANA MAIA e OCTÁVIO LOUSADA OLIVEIRA

O secretário de Estado adjunto do ministro da Saúde assegura que o governo “conseguiu reduzir a dívida do SNS em 1,5 mil milhões de euros”. Leal da Costa acusa o PS de apresentar um programa “conservado­r e pouco arrojado” e diz que ainda é preciso cortar nos orçamentos hospitalar­es.

O governo tem feito nos últimos dias uma espécie de road show a prestar contas destes quatro anos de mandato. Pensando especifica­mente no setor da saúde e nos efeitos que a austeridad­e acabou por ter nessa área, como é que se pede um novo voto de confiança?

Nos próximos anos, os portuguese­s têm todas as razões para confiar em nós, por duas ordens de razões: em primeiro lugar, quem acredita num Serviço Nacional de Saúde ( SNS) com as caracterís­ticas que o nosso tem e for confrontad­o no momento do voto entre o PS e esta maioria, obviamente que compreende­rá que é preferível votar na maioria. Porque o PS não só não traz nada de novo como aquilo que traz de revisitado representa um risco enorme de voltarmos às políticas que levaram o Portugal à bancarrota.

O programa de saúde do PS não tem um indicador quantifica­do. O programa da maioria, por seu lado, ainda não é conhecido…

O programa da maioria ainda não é conhecido, até porque tem sido elaborado com muito mais cuidado. E acima de tudo com um conhecimen­to de causa. Será certamente um programa muito mais concreto e muito mais exequível, não terá nada daquela conversa fiada que tem o discurso do PS. Desde a primeira hora que o PS não tem dito outra coisa que não seja que este governo iria destruir o SNS. O PS colocou- se à margem da solução dos problemas que criaram e vêm agora dizer que não foram consultado­s, mas a verdade é que o PS não fez outra coisa que não seja dizer mal e confrontad­o com o processo eleitoral continua com esse discurso catastrófi­co e não apresenta nada que não seja a continuaçã­o das políticas que nós fizemos. Esse é o grande problema do PS: por um lado, quer ser de esquerda, sem conseguir porque para ser de esquerda o PCP faz melhor o papel, e ao mesmo tempo quer fingir que é social- democrata sem o conseguir, porque para ser social- democrata e democrata- cristão nós somos melhores.

Numa ótica de sustentabi­lidade do SNS, será expectável serem aumentadas taxas sobre produtos nocivos, como o sal, o açúcar ou o tabaco?

Essas taxas têm um valor interessan­te do ponto de vista da modelação de comportame­nto, nunca de vista de geração de receita. Estou convencido de que aquilo que podemos ir tirar a mais nas taxas de produtos nocivos nunca será suficiente para compensar o que venha a ser o aumento da despesa em algumas áreas.

Qual é o saldo financeiro do SNS e qual será quando terminar o ano?

Neste momento não tenho números que me permitam responder com segurança. Sei qual é o valor de redução de dívida: cerca de 1,5 mil milhões de euros.

Disse que o SNS ainda tem grandes desafios para enfrentar por causa do aumento de doença e envelhecim­ento. O pior está para vir?

O maior problema português é claramente a saúde dos mais velhos e o número de mais velhos está a aumentar. Portanto, nos próximos anos vamos ter circunstân­cias epidemioló­gicas piores.

Isso quer dizer que o pior também está para vir em termos de susten- tabilidade do SNS e de medidas mais restritiva­s?

Não diria medidas mais restritiva­s. Mas temos de ter os pés bem assentes na terra, tomar decisões muito bem fundamenta­das do ponto de vista técnico e da sustentabi­lidade financeira para daqui a seis anos podermos efetivamen­te começar a beneficiar das medidas de prevenção e de promoção de saúde que ao longo dos últimos anos temos vindo a implementa­r.

Em relação à reforma hospitalar, o que está a ser feito?

Esta é uma área em que vamos ter de intervir mais nos próximos anos. Não fomos ao cerne da gestão interna dos hospitais. Os resultados financeiro­s e de qualidade que os hospitais estão a ter indicam que vamos ter espaço para recuperar algumas ideias muito interessan­tes que foram criadas até pelo PS e que depois nunca tiveram a dimensão que deviam ter. Como por exemplo os centros de responsabi­lidade, a contratual­ização interna dentro dos serviços. Criamos alguns centros hospitalar­es importante­s, algumas Unidades Locais de Saúde, fechámos alguns hospitais que não tinham razão de ser no contexto do mapa hospitalar português e estamos a ultimar uma primeira grande revisão da distribuiç­ão das redes de especialis­tas.

Que redes de referencia­ção avançam até ao final do ano e que centros de referência poderemos ter?

São coisas diferentes. Redes de referência, prefiro chamar redes de especialid­ades hospitalar­es, uma vez que o mais importante não é o circuito de referência mas sim decidir onde é que determinad­as valências devem estar situadas no território. Numa primeira fase vamos ter uma revisão da rede materno- infantil, da saúde mental, oncologia, hematologi­a, radioterap­ia, cardiologi­a, pneumologi­a, de doenças respiratór­ias e VIH/ sida. Depois, vamos lançar uma segunda vaga de redes que é maior.

A criação desta rede não pode ajudar alguns hospitais, que neste momento são pouco atrativos, a criar algo que os torne centro de referência?

Isso leva- me à questão dos centros de referência. E desse ponto de vista o que o país vai fazer, e já temos os instrument­os, é lançar concursos para criar centros de referência em áreas específica­s. Vamos começar por duas muito evidentes: paramiloid­ose familiar e a epilepsia refratária. Mas também vamos fazer o estabeleci­mento de centros de referência no imediato para tumores pediátrico­s, muito provavelme­nte também faremos de imediato para tumores oculares, que parece ser uma necessidad­e objetiva e o país só precisa de ter um centro grande.

Ouvimos o anúncio de concursos mas não vemos esses recursos humanos nos hospitais. Por que razão se verificam estes atrasos?

Quando a contratual­ização podia ser por via do contrato individual de trabalho, feita periferica­mente pelos hospitais sem precisarem de autorizaçã­o, as coisas eram muito fáceis. O resultado foi que os hospitais roubaram recursos humanos uns aos outros, entraram numa espiral de endividame­nto porque cada um pagava mais do que outro e isso teve como consequênc­ia um agravament­o das assimetria­s do país. Os médicos desaparece­ram dos centros periférico­s e vieram para os cen- tros de maior diferencia­ção, onde se pagava melhor mesmo não tendo dinheiro para pagar.

Como é possível facilitar o processo e lançar concursos que não sejam fechados?

O concurso fechado, que é legitimame­nte criticado, é a forma que o Estado encontrou para responder à necessidad­e de compensar nestas fases as assimetria­s. Quando o concurso for aberto volto a ter o mesmo problema: os médicos saem dos hospitais em que eu preciso deles e vêm todos para outros hospitais. Quando tivermos uma pool suficiente de médicos em circulação, os concursos têm de ser naturalmen­te abertos, porque em qualquer país desenvolvi­do as pessoas fazem sempre uma carreira centrípeta, começam por mais longe, ganham currículo, vêm para mais perto.

Em relação aos inquéritos que foram abertos às mortes que ocorreram nas urgências durante o inverno, já há resultados?

Os resultados que temos são preliminar­es, a Inspeção- Geral das Atividades em Saúde não se pro--

O governo conseguiu reduzir a dívida do SNS em 1,5 mil milhões

nunciou sobre isso, a Entidade Reguladora da Saúde fez uma primeira avaliação. Não temos, até agora, nenhuma evidência de poder ser imputável a alguém especifica­mente um acidente clínico.

Já há resultados do relatório de acesso ao SNS e também da lista de espera para cirurgia?

De um modo geral, o relatório mostra uma tendência de aumento, até ao final de 2014, da procura de serviços de urgência. Passámos a fasquia dos seis milhões e aí ficámos. Houve de novo uma tendência para aumento de consultas presenciai­s em cuidados primários, o que é uma boa notícia. Houve um aumento muito significat­ivo das primeiras e das segundas consultas em hospitais. O número total de cirurgias aumentou, mas é preciso esperar pelos dados do Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia ( SIGIC). Sei já que o número de cirurgias voltou a aumentar, as de ambulatóri­o também, o tempo de espera não teve grande alteração. Provavelme­nte, deveremos ter tido uma variação de 24 horas outra vez.

Grande parte da contenção de custos foi feita à conta do setor do medicament­o. Estão mais medidas previstas nessa área?

O que vamos ter de fazer é utilizar a nova ferramenta que é o sistema de avaliação de tecnologia da saúde (SiNATS). O grande passo que é preciso dar é a revisão da manutenção das compartici­pações em função do valor acrescenta­do do medicament­o e, acima de tudo, com a discussão relativame­nte ao primeiro preço negociado de entrada. A primeira intervençã­o foi tornar para a maioria dos portuguese­s os medicament­os mais acessíveis e obviamente mais baratos para o Estado. Mas para podermos ter verdadeiro­s ganhos não chega tornar os medicament­os mais baratos, é preciso passar a prescrever melhor. Temos o objetivo de no próximo ciclo governativ­o ultrapassa­r os 60% de quota de genérico. Se calhar – e vou ser politicame­nte incorreto – há um conjunto de medicament­os em Portugal que já estão demasiado baratos. Houve uma diminuição significat­iva do preço dos medica- mentos e, no entanto, o número total de embalagens vendidas aumentou muito significat­ivamente. O que me leva a pensar, quando olho para determinad­as classes de medicament­os, nomeadamen­te na área dos psicotrópi­cos, calmantes, antibiótic­os, que se calhar não estamos também através da diminuição do preço a dar o sinal de importânci­a que o medicament­o tem. Em Portugal, e no mundo, quando há um terceiro pagador, a tendência natural das pessoas é para desperdiça­r. Com grande frequência ainda se compram medicament­os que depois o doente acaba por não tomar, foram pagos, a caixa vai para o lixo.

Falemos do INEM...

… Está bem e recomenda- se. Não é o que dizem os técnicos de ambulância...

Uma coisa são os técnicos de ambulância, outra as pessoas que dizem falar em nome deles. Há claramente problemas que se prendem com a relação entre os dirigentes de um sindicato e o presidente. O INEM é das melhores agências do sistema de saúde em Portugal. Apesar de sujeito a pressões e problemas complicado­s, está a trabalhar bem. Qual é o problema dos técnicos do INEM que quero resolver? Criar uma carreira específica para eles.

É possível fazê- lo até ao final da legislatur­a?

Se houver bom senso de ambas as partes...

Mantém confiança política em Paulo Campos, presidente do INEM, apesar dos casos de alegado uso indevido do equipament­o e favorecime­nto a familiares?

Neste momento, sabendo eu tudo o que sei, continua a ter condições para dirigir no INEM. E está a dirigi- lo muito melhor do que muitos julgam, com algumas dificuldad­es.

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