Diário de Notícias

“É importante assumir a diferença. Assumo toda a minha africanida­de”

Carreira. Conceição Queiroz senta- se hoje pela primeira vez numa cadeira da TVI24 para apresentar a informação. É um dos primeiros rostos com traços africanos a fazê- lo. E diz que isso é um sinal de esperança para a comunidade

- MÁRCIA GURGEL

Nunca ambicionou ocupar um dia esse lugar. Mas esse dia chegou. É hoje. Conceição Queiroz vai sentar- se pela primeira vez numa cadeira de pivô da TVI24, para conduzir a informação das 09.00 às 15.00. Moçambican­a, 41 anos, e com mais de 20 de profissão, diz que o desafio que agora lhe foi lançado é uma forma de mostrar à comunidade negra que é possível um profission­al com traços africanos apresentar um espaço de notícias. Para ela é também uma forma de se pôr à prova, tendo de se superar.

Um dia antes da estreia e depois dos testes no estúdio, Conceição fala sobre a sua africanida­de “com leveza” e “sem dramas”, admitindo que apesar de haver uma grande comunidade africana a residir em Portugal, “a verdade é que se contam pelos dedos de uma mão o número de pivôs negros que já conduziram ou conduzem noticiário­s”. Mas “o mundo mudou”. “Estamos mais próximos e ainda bem que é assim. Há uma questão da representa­tividade e da transmissã­o de esperança. A comunidade negra sente que isto é possível. É preciso quebrar essas barreiras e ir ao encontro das pessoas”, diz.

África está- lhe no sangue, na cabeça, no coração e também na sua imagem. E isso, garante, não vai mudar pelo facto de agora assumir a condução de um espaço de informação. “É muito importante assumir a diferença. Eu assumo o meu afro e toda a minha africanida­de.” Aliás, a direção de Informação nem sequer colocou qualquer questão sobre isso, “não houve qualquer tipo de conversa no sentido de haver uma mudança de imagem. Até porque as pessoas conhecem- me com este cabelo afro e vou manter o mesmo registo”, explica.

Lá fora, em países como Inglaterra ou Estados Unidos, a presença no plateau televisivo de pivôs oriundos das mais diversas etnias é algo perfeitame­nte comum. Conceição Queiroz espera que o mesmo aconteça em Portugal. “Espero que daqui a uns anos haja mais comunidade­s que estejam representa­das. Espero que já não seja notícia o facto de um pivô ser negro, mulato, chinês ou indiano. Acho que vamos lá chegar. Vai demorar algum tempo, mas esta situação já é um bom sinal, estamos no bom caminho.”

No entanto, a jornalista não pretende escamotear a realidade, pois sabe que o preconceit­o existe, sim. Conceição Queiroz já o sentiu na pele, o que não significa que tenha de se vitimizar. “Não me posso queixar. Sempre procurei focar- me muito no meu trabalho e em fazer o que tenho de fazer e da melhor maneira possível. Se neste momento o preconceit­o fosse a marca da TVI, hoje isto não me estaria a acontecer.”

Não se pode dizer que tornar- se pivô seja um sonho tornado realidade, já que a própria desfaz essa ideia. Mas houve quem lhe tivesse dito um dia, há vários anos, que o seu destino seria este. “A Alexandra Borges e a Ana Leal ( ambas jornalista­s também na TVI) disseram- me sempre que eu devia ser pivô. Na altura, achava isso disparatad­o. Agora, eis que surge a oportunida­de”, relembra com o entusiasmo e otimismo que lhe são próprios.

Desde o início da profissão até à cadeira de pivô da TVI24 já lá vão mais de 20 anos. Foi em 1994. Passou pelo grupo Semanário, Rádio Clube Português e pela televisão de Cabo Verde. Mas foi como grande repórter na estação de Queluz de Baixo que a imagem de Conceição Queiroz foi entrando em casa dos portuguese­s. E é no resultado deste seu trabalho que encontra a justificaç­ão para a aposta do diretor de Informação, Sérgio Figueiredo. “A TVI não é a Santa Casa da Misericórd­ia. Se me dão um voto de confiança e uma oportunida­de, isso significa que tenho algum valor. É uma estação comercial, as audiências contam.”

À semelhança dos traços africanos que sempre procurou preservar, o continente onde nasceu marcou também a sua atividade jornalísti­ca com as histórias que procurava e contava aos telespecta­dores. A jornalista Conceição Queiroz já esteve em Angola, Moçambique, Uganda, África do Sul e num dos maiores campos de refugiados do mundo no Quénia. De todos os locais trouxe informação, encontrou histórias de vida que contou. Foi distinguid­a com uma dezena de prémios, atribuídos por entidades como a UNESCO, a Liga Portuguesa contra o Cancro e a AMI. Mas “não há deslumbram­entos”, sublinha. “Há uma entrega grande”, diz. O segredo está em ter uma “vida preenchida”, que nunca para. Por isso mesmo, Conceição Queiroz encontra- se também a tirar um doutoramen­to em Estudos Portuguese­s, com especializ­ação em Literatura Portuguesa, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universida­de Nova de Lisboa. “Não sei encarar a vida de outra forma. Eu sou assim. E é assim que o público me conhece.”

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A jornalista Conceição Queiroz nasceu em Moçambique e já fez várias reportagen­s sobre o continente africano

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