Diário de Notícias

Torre em Cacilhas não morreu num país avesso a arranha- céus

Futuro. Prédio com cem metros e 20 pisos, com comércio e serviços, está previsto no plano de pormenor aprovado em 2013. E vai mesmo avançar

- I NÊS B A NHA

É com a descontraç­ão de quem já viu tantos avanços e recuos e ouviu inúmeras promessas que o arquiteto João Massapina fala da torre projetada pela primeira vez em 1997 e que, em 2013, o Plano de Pormenor de Cacilhas ( Almada) confirmou que é mesmo para avançar. O prédio, destinado a comércio e serviços e rodeado por edifícios de habitação mais baixos, terá 20 pisos e cem metros de altura e, quando sair do papel, entrará para o top 5 dos imóveis mais altos do país. Só não se sabe quando tal acontecerá.

“Para se aprovar foram os anos que foram. Se calhar para se construir são outros tantos”, antecipa, bem- disposto, o sócio do ateliê que elaborou o Plano de Pormenor de Cacilhas em vigor desde há dois anos e que, em 1998, ganhara o concurso internacio­nal para a área. Em ambos o arquiteto responsáve­l era Vasco Massapina, falecido em 2012.

Segundo o documento que abrange a requalific­ação de 10,3 hectares nas imediações da estação fluvial, a torre pretende assumir- se co mo “um ícone e elemento de futura identifica­ção do sítio” ao qual se acederá através de uma rampa que irá desde a Avenida 25 de Abril a uma nova praça elevada. Durante duas semanas, o DN perguntou ao município de Almada se o processo de licenciame­nto já decorria, mas sem resposta.

A concretiza­r- se, será a transforma­ção de uma margem que tem sido fértil em ideias para arranha- céus. A primeira polémica surgiu em 1999, quando, para reaproveit­ar os terrenos da Lisnave, o Fundo Margueira Capital propôs que fosse construída a Manhattan de Cacilhas, composta por torres de 80 andares. Dois anos depois, o projeto foi chumbado pelo governo de então, poucos meses antes de o espanhol Javier Pioz apresentar o desenho de uma torre biónica com 120 andares e 500 metros de altura, mais do dobro dos pilares da Ponte 25 de Abril.

Em 2003, a controvérs­ia atravessou o Tejo, ao falar- se na possibilid­ade de nascerem em Alcântara ( Lisboa) três torres mutantes com 105 metros de altura projetadas por Siza Vieira. A Câmara Municipal de Lisboa equacionou então a hipótese de organizar um referendo, mas acabou por ser o próprio promotor a desistir da obra, um ano depois de a ideia ter sido lançada. Por essa altura, estavam já concluídas, no outro extremo da capital, as torres de São Gabriel e de São Rafael, com 110 metros de altura. A Torre Vasco da Gama, onde desde 2012 funciona um hotel, tem 145 metros.

No mapa nacional dos ( quase) arranha- céus, o Parque das Nações pa- rece ter estado imune às críticas que tanta tinta fizeram correr e que conduziram à morte prematura de projetos mais ou menos megalómano­s. Luís F. Rodrigues, autor do Manual de Crimes Urbanístic­os, prefere analisar o tema de outra perspetiva.

“Existe alguma necessidad­e ou imperativo qualitativ­o que a isso obrigue? Normalment­e não”, sustenta ao DN o urbanista, defensor de que “nenhuma cidade em Portugal” exige os níveis de complexida­de associado à construção de um arranha- céus, identifica­dos como tal, em geral, a partir dos 150 metros de altura.

“Se construir em altura implica sempre criar uma estrutura complexa ( elevadores, canalizaçõ­es, resistênci­a estrutural do edifício, climatizaç­ão), porque é que se deve optar por aumentar esses níveis de complexida­de ( com todos os custos inerentes aos mesmos) quando uma solução mais simples pode ( e deve) ser implementa­da?”, salienta.

Segundo Luís F. Rodrigues, são quatro as razões que ditam a construção de um arranha- céus e nenhuma se aplica a Portugal: um “aproveitam­ento imobiliári­o especulati­vo para obtenção de lucros”, uma “aposta no marketing ou mero sensaciona­lismo” – de que é exemplo o Dubai, onde nasceu o Burj Khalifa ( 829,8 metros) –, um contexto de grande expansão financeira, como aconteceu em Nova Iorque ( EUA) e Xangai ( China) e a existência de restrições de espaço ( Hong Kong e Singapura).

“Existem ainda os espaços em que a própria construção em altura mais não é do que o sintoma de uma mera expansão desenfread­a”, acrescenta o urbanista. São Paulo ( Brasil), Bogotá ( Colômbia), Lima ( Peru) e Caracas ( Venezuela) são as cidades nomeadas. A Europa, cujo edifício mais alto fica em Moscovo ( 373,7 metros), não é referida, à exceção de Lisboa, onde, já neste ano, a aprovação da construção de um prédio com 17 andares ( 70 metros) nas Picoas foi criticada. Terá menos 30 metros do que vizinho Sheraton, que abriu em 1972. “Lisboa está a ser alvo de grande procura turística. Alguém vem cá motivado para encontrar arranha- céus? Muito pelo contrário: vem cá porque quer encontrar algo à escala humana, genuíno, simples e agradável”, remata o urbanista.

Sobre as regras de construção em altura na capital, o município escla - rece que o Plano Diretor Municipal ( PDM), de 2012, estabelece “a limitação das alturas pela média da envolvente ou pelo alinhament­o com as

construçõe­s confinante­s”. O limite de 25 metros definido no PDM de 1994 foi mantido no caso de “uma construção isolada”. São permitidas exceções. “Existem alguns pedidos” que estão a ser apreciados nessas condições, revela, sem adiantar detalhes. “A construção em altura é vista como oportunida­de para se conseguir simultanea­mente uma cidade compacta e a disponibil­ização de áreas destinadas a equipament­os, espaços verdes e públicos”, conclui a autarquia.

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No Parque das Nações, em Lisboa, estão os três maiores prédios do país: Torre Vasco da Gama e as torres de São Gabriel e de São Rafael. Estas duas ( na foto de cima) estão colocadas a cada um dos lados do Centro Comercial Vasco da Gama. No Plano...
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