Diário de Notícias

“A opinião pública considera que construir em altura é especulaçã­o”

Edifícios grandes são dinheiro ganho de forma pouco clara e ataque à tradição, diz- se sobre os prédios altos. O arquiteto e professor desfaz os mitos. E lembra que a Torre Eiffel é um símbolo de Paris. Em Lisboa, aceitava construção em altura na antiga F

- L I NA S A NTOS

Sempre que se fala em construção em altura em Portugal há polémica. A câmara acaba de aprovar a construção de um edifício de 17 andares na Avenida Fontes Pereira de Melo, onde antes estava um palacete... Como o projeto de Álvaro Siza [ no terreno] ao lado do Lx Factory [ em Lisboa]. A opção foi, em vez de fazer vários edifícios, fazer um só e uma zona ajardinada. Já havia os pilares da ponte. Houve uma reação nos meios de comunicaçã­o contra as torres. Lembro- me de o Miguel Sousa Tavares dizer que os pescadores já não podiam pescar. O que é curioso é que pouco tempo depois construiu- se uma torre sobre um monte em Algés e ninguém disse nada. Suponho que um dos problemas é que a opinião pública considera que construir em altura é especulaçã­o. É ganhar dinheiro de forma pouco clara, pouco honesta. O que há de verdade nisso? Os planos de pormenor [ das câmaras municipais] definem alturas, densidades. Se não está conforme os planos aprovados é outra história. Ainda há pouco tempo um ex- autarca do PSD, de Faro, foi condenado por construir numa zona protegida. O projeto de Manuel Graça Dias para a Margueira, em Almada, também foi muito polémico. Também há outro aspeto – entre a tradição e a modernidad­e. As pessoas favorecem o que consideram uma certa tradição. A opção [ de Graça Dias] era uma presença forte em altura no estuário. Não vejo que a construção em altura seja um problema quando estamos a falar de um projeto de 17 andares, ao lado dos edifícios de Aviz. Há o outro do outro lado do centro comercial, não choca nada. Houve outro projeto para ali, nos anos 1960, de um arquiteto bem famoso, o Francisco Conceição da Silva. Não se fez, talvez porque se deu o 25 de Abril, mas não é a primeira vez que se pensa em construir em altura naquele sítio. Chegámos àquele ponto em que a tradição é o arranha- céus. E qual é o mal de ter um edifício alto no contexto de edifícios baixos? Depende! Há um célebre caso que é a torre Eiffel. Houve protestos na altura, até de gente célebre, intelectua­is e escritores, e hoje é o símbolo da cidade. Existe a corrida ao edifício mais alto do mundo entre as principado­s do petróleo e os países de economia emergente – Kuala Lumpur, Taipé, depois Dubai e entretanto os EUA, que já tinham tradição de edifícios em altura. No sítio onde estavam as Twin Towers está um edifício mais alto. Nestes casos, penso que é uma questão simbólica. O caso de Kuala Lumpur é claro. O ditador local obrigou a empresa de construção estatal a fazer o edifício mais alto do mundo. Quais os desafios de construir em altura? Tem de ter uma estrutura suficiente­mente forte para resistir ao peso, mas também para resistir ao vento, aos sismos. O ataque às Twin Towers pôs questões de segurança. Houve pessoas que morreram porque não conseguiam sair. Se não fosse tão alto conseguiam sair, mas se não fosse tão alto não seria atacado. Aliás, as torres eram um símbolo do capitalism­o. À medida que se so be torna- se mais caro [ construir]. A partir de certa altura o edifício já não é rentável. Isso é contrapost­o pelo valor simbólico de ter o prédio mais alto. Precisa de uma estrutura mais forte, elevadores mais sofisticad­os, sistemas de abastecime­nto de água, porque tem de chegar lá a cima com pressão. O prédio alto é um desafio interessan­te para um arquiteto? Até acho simples. A sua forma está praticamen­te definida. As escadas e elevadores têm de ser feitos. Claro que há outros aspetos: não gastar demasiadas energia e questões de controlo de temperatur­a, ventilação – lá em cima não se podem abrir janelas. A habitação corrente fica demasiado longe do solo. Usa- se para escritório­s, hotéis e centros comerciais e, por vezes, habitações de hiperluxo. Coloca mais problemas do que questões para resolver em termos projetuais. Correspond­e a uma pequena cidade em altura. A partir de quantos metros podemos efetivamen­te falar num arranha- céus? Isso é relativo. Há dez anos não havia edifícios com 800 metros, como o Burj Khalifa. Foi construído apenas para chamar a atenção, para mostrar o quanto são poderosos e ricos. Gostaria de fazer um edifício muito alto? Já não projeto há muito tempo mas não tenho nada contra o edifício em altura. Claro que os edifícios extraordin­ariamente altos são uma proeza, mas pobre. O Dubai é uma cidade disparatad­a. É uma acumulação de edifícios em altura e de iniciativa­s imobiliári­as, não repousa numa comunidade harmónica, até os direitos humanos ali são esquecidos. É uma situação artificial e desarmónic­a, o contrário do que gostaríamo­s que as cidades fossem. O edifício em altura também se articula com isto. Pode ser pontual, marcar um ponto numa cidade grande. Não estamos a falar de o fazer em Viseu. Por vezes, na grande cidade, no ponto de maior concentraç­ão, ajuda à orientação na cidade, a marcar a paisagem.

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