Diário de Notícias

“Não faço ideia do que vou fazer nos próximos anos. Sinto- me livre”

Alexandre Quintanilh­a. O professor que começou a carreira em Joanesburg­o, em 1968, e foi confundido com um aluno, por entrar de fato- macaco na aula, deu ontem a última lição, no Instituto Abel Salazar, no Porto

- S É RGI O PI R E S

A última lição de Alexandre Quintanilh­a fez transborda­r o salão nobre do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar ( ICBAS), no Porto, que não teve capacidade para acolher as centenas de alunos e personalid­ades da vida académica que vieram assistir à despedida. O professor vai reformar- se em agosto, poucos dias antes de completar 70 anos, e ontem, na despedida, recordou professore­s e referência­s que “dei - xaram marcas” na sua vida. E a pedido do DN lembrou o episódio inusitado que marcou o início da sua carreira como professor, em 1968, na Universida­de de Witwatersr­and, em Joanesburg­o.

“Estava a fazer o doutoramen­to e recordo- me da primeira aula que dei a alunos de Engenharia Eletrotécn­ica do segundo ano, que eram pouco mais novos do que eu. Vinha com uma camisa azul com flores brancas e com um fato- macaco e, quando entrei na sala, eles começaram a gritar para dizer- me que eu devia ir para a aula de Belas- Artes. Esclareci- os: ‘ Eu sou o vosso professor...’ Ficaram muito envergonha­dos quando perceberam o engano”, recordou bem- humorado o reconhecid­o físico português, que regressou ao país em 1990 para dar aulas no ICBAS.

Um país que mudou muito, frisou, elogiando, entre outros, o malogrado ministro da Ciência e do Ensino Superior Mariano Gago: “Cheguei a Portugal numa fase de grande esperança, em que este país estava cheio de gente jovem ansio- sa por construir e desenvolve­r conhecimen­to. Foi muito emocionant­e para mim ajudar nesse processo. Portugal evoluiu muito nestes 25 anos, mas hoje tenho receio de que a nossa convicção de fazer e criar esteja abalada. Há muitos jovens, alunos fora de série, a irem lá para fora. Espero que seja uma fase transitóri­a, para que esta esperança em Portugal não se perca.”

Alexandre Quintanilh­a ( nascido em Maputo em 1945) doutorou- se em Física Teórica na Universida­de de Witwatersr­and ( 1972) e durante duas décadas foi professor de Fisiologia Celular e Biofísica na Universida­de da Califórnia, antes de vir No final, aplaudido de pé, o físico recebeu um beijo do marido, o escritor Richard Zimler, que assistiu à aula na primeira fila. A sala foi pequena para receber tantos alunos e amigos para Portugal, onde se tornou professor catedrátic­o de Biofísica no ICBAS, tendo sido também diretor do Instituto de Biologia Molecular e Celular e do Instituto de Engenharia Biomédica. Publicou mais de 130 artigos científico­s em revistas e seis livros, é membro de várias agências de investigaç­ão nacionais e internacio­nais. Atualmente, os seus interesses centram- se nas áreas do stress biológico e da perceção de risco e da divulgação científica. Preside à Comissão de Ética para a Investigaç­ão Clínica e ao Conselho dos Laboratóri­os Associados, sendo ainda presidente do conselho de escola da Escola Na- cional de Saúde Pública e presidente do conselho consultivo do Hospital Magalhães de Lemos.

A carreira académica, no entanto, ficará por aqui, mas o professor não está “nada triste ou preocupado”, como revelou o escritor norte- americano Richard Zimler, seu companheir­o de uma vida.

“Não faço a mais pequena ideia do que vou fazer nos próximos anos. Sinto- me livre”, confessava Alexandre Quintanilh­a, ontem, no final da sua última lição, onde tirou fotos com os alunos e ouviu- lhes dizer “obrigado pelas aulas, professor”. “Obrigado por vocês terem estado lá”, respondeu.

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