Diário de Notícias

Porque morrem os presidente­s americanos a 4 de julho?

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De Hillary Clinton a Jeb Bush, do socialista Bernie Sanders ao magnata Donald Trump, não haverá um candidato a presidente que não devore livros de história dos Estados Unidos, em especial sobre os 43 homens que ocuparam o cargo ( e nisso de conhecê- los Hillary e Jeb levam vantagem, ela casada com um, ele filho e irmão de outros). Saberão de certeza que o título desta análise era assustador­amente verdade a 4 de julho de 1831, faz hoje 184 anos. Nesse dia morria James Monroe, o quinto presidente. E em 1826 ( na data exata do cinquenten­ário da Declaração de Independên­cia) tinham já morrido John Adams e Thomas Jefferson, os segundo e terceiro presidente­s. Só George Washington, o pai da independên­cia, tinha sido exceção, morrendo em vésperas do Natal, e James Madison, o quarto presidente, estava vivo ( morreria a 28 de junho de 1836, a uma semana da festa nacional!). Não se confirmari­a, porém, nenhuma maldição do 4 de julho e depressa surgiu uma outra, que dava como certa a morte em funções dos presidente­s eleitos num ano acabado em zero: aconteceu a William Harrison ( 1840), a Abraham Lincoln, a James Garfield, a William McKinley, a Warren Harding, a Franklin Roosevelt e a John Kennedy. Ronald Reagan, eleito em 1980, não morreu no cargo, mas como sofreu um grave atentado não abalou a regra. Mas George W. Bush, o presidente vencedor em 2000, saiu da Casa Branca de boa saúde e matou a maldição de Tippecanoe ( também chamada de Tecumseh), chefe índio derrotado por Harrison quando era general. Porque falar aqui de maldições desmentida­s já pela história e quando ainda falta mais de um ano para as presidenci­ais americanas que vão designar o sucessor de Barack Obama? Primeiro que tudo, porque hoje é 4 de julho, o dia em que um texto magnífico escrito em 1776 por Jefferson (“Consideram­os estas verdades como autoeviden­tes, que todos os homens são criados iguais, que são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáve­is, que entre estes são vida, liberdade e busca da felicidade”) selou a vontade de separação com a Grã- Bretanha de Jorge III; segundo, porque a presidênci­a americana é tão rica em pequenas como em grandes histórias, o que explica que seja única em fascínio; terceiro, porque não há maldição que anule a ambição de chegar à Casa Branca e as eleições de 2016 vão ter um número recorde de candidatos às primárias. Para já, são cinco no campo democrata, com claro favoritism­o para Hillary, e 14 nas fileiras republican­as, com Jeb talvez como o mais sólido. Mas o New York Times ainda prevê mais dois republican­os e não afasta uma decisão de última hora do vice- pre- sidente Joe Biden de entrar na corrida e fazer justiça à vocação histórica dos números dois de serem candidatos à sucessão. Tanta ambição e diversidad­e de nomes ajuda a animar o debate democrátic­o. E é de saudar que muita gente não se deixe intimidar pelos apelidos Clinton e Bush nem pelas máquinas de angariar dinheiro ( calcula- se que esses pesos- pesados cheguem aos dois mil milhões de dólares, valor inatingíve­l para os rivais, com exceção de Trump, se quiser gastar boa parte da fortuna pessoal). Ora, o problema é que tudo o que é demais arrisca- se a ser contraprod­ucente. É o caso das primárias republican­as, um partido que já foi a de Lincoln, mas que este hoje não reconhecer­ia, dada a viragem ideológica à direita e a falta de visão para uma América cada vez mais diversa, em que o velho termo sociológic­o do “cadinho de fusão”, o melting pot, tende a ser substituíd­o por “taça para salad” ou “caleidoscó­pio”. No fundo, não se concretiza a utopia da mistura de raças e nacionalid­ades para criar o homo americanus. O que sucede é a vivência em paralelo de comunidade­s que elegem os Estados Unidos como pátria e o sonho americano como modelo. Dirão os admiradore­s do Partido Republican­o que a vitória nas últimas intercalar­es para o Congresso desmente o divórcio com a sociedade americana. E que há candidatos negros, indianos ( sim, não índios) e hispânicos entre os republican­os. Mas o teste a sério são as presidenci­ais. E também nenhum dos candidatos republican­os oriundos das minorias, mesmo Ted Cruz e Marco Rubio, tem apelo junto dos hispânicos ( 17% dos americanos) ou dos negros ( 14%) que votam esmagadora­mente nos democratas, como se viu nas duas vitórias de Obama. O melhor que os republican­os têm para apresentar enquanto candidatos abrangente­s são Jeb e George Pataki. Mas se o primeiro até é casado com uma mexicana, o legado como governador da Florida surge hoje como um falso êxito que só preparou a crise; e o segundo, ex- governador de Nova Iorque e por isso com provas dadas em captar o voto hispânico, negro, judeu e gay, é tão à esquerda do partido que assusta o tradiciona­l votante branco do Sul e do Midwest. Voltemos a 4 de julho e às maldições. Tudo se prepara para continuar a ser uma festa liderada por um presidente democrata ( que felizmente não morrerá nem no feriado nacional nem durante o cargo). E ou o Partido Republican­o se recentra – ao contrário do que fez há dias ao reagir com fúria à decisão do Supremo Tribunal de legalizar o casamento homossexua­l – ou por muito que domine o Congresso terá como maldição ficar condenado a ser contrapode­r dos presidente­s. A democracia americana, que hoje tem um dia de festa, merece mais.

“Ou o Partido Republican­o se recentra ou por muito que domine o Congresso terá como maldição ficar condenado a ser contrapode­r dos presidente­s democratas”

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