Diário de Notícias

Oito séculos de língua portuguesa encontram- se hoje no palco do CCB

São oito séculos de história cantados em palco. A “maestrina” é a fadista Ana Laíns, que reúne cante alentejano e morna hoje no CCB

- Mariana Pereira POR

Como se cantam 800 anos de história? Com gente de todos os cantos do mundo que fala a língua. Esta noite, às 21.00.

Uma nasceu em Bissau, Guiné, em 1976. A outra em Tomar, Portugal, em 1979. A histór i a, como al í ngua, é velha. O país de uma era colónia do país da outra. O pai de uma lutou pela libertação da Guiné, o pai da segunda, português, combateu em Moçambique. Kar yna Gomes e Ana Laíns falam a mesma língua – mesmo quando Kar yna f ala em crioulo da Guiné, porque é do português que ele vem – e hoje celebram os seus oito séculos no palco do grande auditório do Centro Cultural de Belém ( CCB).

Parecem amigas de longa data. Contudo, só se conhecem desde que a Associação 8 Séculos de Língua Portuguesa, de que Ana Laíns é embaixador­a, a convidou a organizar o concerto desta noite. “OK, vamos, sim senhor, mas não faz muito sentido celebrar a língua portuguesa sem reunir as tropas lusófonas de um modo geral”, conta ter pensado então a fadista. Era preciso reunir as ditas “tropas”.

Durante a pesquisa, mostraram- lhe Karyna Gomes, e o disco Mindjer ( 2014), voz da nova música guineense. “O que é isto? Quem é esta mulher? Fiquei completame­nte apaixonada.” E depois há alturas em que as coisas, quase por si mesmas, se conjugam num sentido próprio. É o que diz Ana Laíns ao olhar o processo em retrospeti­va. Ela que, naquela manhã, teria de sair a correr do CCB para ir buscar o músico brasileiro Ivan Lins, também ele parte do concerto. Aliás, foi o dele o “primeiro nome que veio à cabeça” de Ana. “Tem uma relação muito forte com Portugal e é alguém que admiro profundame­nte.”

Depois, e porque o ator Joaquim de Almeida a faz “arrepiar- se” ao declamar Fernando Pessoa, tinha de l á estar também a f azer i sso mesmo. A cantora Celina Pereira, “uma educadora, uma mulher totalmente dedicada a Cabo Verde”, tinha “mesmo” de fazer parte da “tropa lusófona”. E, como numa narrativa, Ana continua: “Eu sou apaixonada pela forma de pensar do [ José Eduardo] Agualusa enquanto escritor. Mais uma coincidênc­ia, a [ atriz e cantora brasileira] Valéria de Carvalho tinha acabado de o conhecer e eu disse: ‘ Vais ter de me levar até ele.’ Então ele apresentou- me o Acácia Rubra, que na realidade é uma canção mais ligada à morna e que foi musicada pelo João Gil.”

Circunstân­cias e paixões incluídas, havia, em tudo isto, uma ideia. “Pensámos muito grande”, lança a fadista a certa altura. Há, por todo o mundo, cerca de 250 milhões de pessoas que, quando têm algo a dizer, o f azem em português. Seja para cumpriment­ar, trabalhar ou falar com os seus. “A música é só o ponto de partida e a expressão de isto tudo. Tu quando celebras a língua portuguesa não estás a celebrar a palavra, estás a celebrar a comunicaçã­o”, diz Laíns. “E a história!”, continua Karyna Gomes.

A certa altura, a propósito das Adufeiras de Idanha, que também se j untam ao concerto, Kar yna lembra- se de um instrument­o guineense chamado sicó. “Eu tenho a certeza de que, se eu for investigar, vou dar às adufeiras e aos adufes.” Isto para dizer que crioulo significa mestiço. Ou, dito de outro modo, que “o português f oi além- mar, misturou- se e tornou- se crioulo. Já não somos mais puros. Somos misturados. E Portugal é crioulo”. E se crioulo é, e se a língua portuguesa o for também, hoje juntar- se- ão em Lisboa o cante alentejano de A Moda Mãe, Timor pela música de Júlio Soares, Angola pela voz de Aline Frazão, e assim por diante.

Ana Laíns nos últimos dias deve ter estado fechada em casa a ensaiar, a decorar as letras, cantará Não Sei o Quê Desgosta, de Fernan- do Pessoa, musicado por Luiz Caracol. Aí entrará Joaquim de Almeida. Depois, a fadista ficará sozinha com o tema Língua. Foi escrito pelo poeta Nuno Júdice: “Podia ser quase o hino destas comemoraçõ­es, é o poema que resume isto tudo.”

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