Diário de Notícias

A incrível viagem do álbum de obras de D. João V

Enviado de Roma para Lisboa, esteve em paradeiro desconheci­do até ao século XIX. Foi encontrado em Inglaterra e, mais tarde, achado na Escola de Belas- Artes de Paris. Está agora no Museu de São Roque, em Lisboa

- Lina Santos POR

O Álbum Weale foi restaurado e está no Museu de São Roque. Um livrinho com 300 anos com uma história atribulada.

Preocupado com o que se dizia em Lisboa sobre os gastos em Roma com as encomendas de D. João V, o embaixador Pereira de Sampaio elabora “em tempo recorde” um álbum detalhado com desenhos e informaçõe­s com as esculturas, peças de ourivesari­a, paramentos, pinturas litúrgicas e tudo o que estava a ser feito para a capela de São João Baptista, na Igreja de São Roque e para a Patriarcal ( que sairia destruída do terramoto de 1755). Esse caderno de desenhos, agora chamado Álbum Weale, pode ser visto até 25 de outubro na galeria de exposições temporária­s do Museu de São Roque, em Lisboa. Como é que este livro ganha um nome anglo- saxónico e chega a Lisboa em 2015 por empréstimo da École des Beaux Arts de Paris? A viagem é longa, e dá mote à exposição De Roma para Lisboa – Um Álbum para o Rei Magnânimo.

Sabe- se que o álbum veio de Roma para Lisboa mas o rasto perde- se quando a família real vai para o Brasil, em 1808. A biblioteca real seguiu com D. João VI mas muito ficou para trás. Terá o Álbum Weale sido um desses volumes perdidos? Esta parte da história está por explicar. “Só voltamos a ter notícias no século XIX na posse de um senhor chamado John Weale [ editor de arte], em Inglaterra”, explica a diretora de Cultura da Santa Casa da Misericórd­ia de Lisboa ( SCML) ao DN. É comprado por um arquiteto e colecionad­or francês, Lesoufaché, que o doa em 1889 à École de Beaux- Arts de Paris. Seria o fim da história não se desse o caso de o volume ter sido catalogado como manuscrito e não em desenhos.

Os historiado­res de arte sabiam da sua existência mas foi preciso uma coincidênc­ia de acontecime­ntos para que ele fosse reencontra­do. Anne Lise Desmas, que está a escrever sobre o escultor Pierre de L’Estache, pediu para ver este documento e está sentada ao l ado de Peter Fuhring, um investigad­or holandês que sabia da existência do álbum – estávamos em 1995, mais de cem anos depois de ter chegado a esta instituiçã­o. Contacta a historiado­ra Marie Thérèse Mandroux- França, e, finalmente, alguns dos seus esboços foram mostrados em Lisboa para a exposição Encomenda Prodigiosa, em 2013.

O álbum foi alvo de um restauro profundo em 2014, financiado pela Santa Casa, em Lisboa. “Era essa condição para o mostrar”, conta a diretora de Cultura. Dos 101 desenhos que compõem o Libro degli Abozzi de Disegni delle Comissioni Che Si Fanno in Roma per Ordine della Corte ( nome original do Álbum Weale), trinta serão mostrados na exposição. “Por razões de conservaçã­o e também porque assim mostramos mais desenhos”, explica Teresa Vale, comissária da exposição, professora da Faculdade de Letras da Universida­de de Lisboa e investigad­ora do ARTIS Instituto de História da Arte da mesma instituiçã­o.

Para a exposição, Teresa Vale escolheu uma série de peças oriundas de vários museus portuguese­s e de coleções particular­es que fazem a ponte com os desenhos do Álbum Weale, seja por lá estarem representa­dos seja porque são do mesmo artista. Uma dessas peças é o óleo sobre tela da Anunciação que está na capela de São João Baptista, de Agostino Masucci. Nada se desperdiça. A tela seguiu o seu caminho quando foi substituíd­a pelo painel de micromosai­co vítreo ( veio do Museu de Aveiro para a exposição).

Outras peças foram escolhidas para mostrar o trabalho de artistas que trabalhara­m na capela ou na Patriarcal, como o Ecce Homo, que estava nas reservas do Palácio Nacional da Pena, em Sintra. As suas flores estavam negras e precisavam de cuidados. Teresa Vale disse ao conservado­r Hugo Xavier que o situava entre 1770 e 1780. Quando veio de restauro, soube. Atrás estava a data. Roma, 1773. O micromosai­co também está assinado: Alessandro Cocchi, descendent­e de um Cocchi que trabalha na capela de São João Baptista.

Para a exposição foram escolhidos desenhos da Basílica Patriarcal, erguida a partir da capela real do Paço da Ribeira. São o que resta de outra grande encomenda de D. João V. Um desses pormenores é um gradeament­o a ser realizado por Andrea Valadier.

Teresa Vale recorda a carta enviada por um cardeal francês a outro queixando- se de “não se poder mandar fazer um busto em Roma porque todos os artistas estão a trabalhar para o rei de Portugal”. É o tempo de D. João V, o rei magnânimo, que “reinou 50 anos em paz, conhecia a importânci­a de reinar em paz, a Europa estava em guerra e nunca se envolveu”. Em vez disso, “elegeu Roma como palco da sua ação diplomátic­a”, nota Teresa Vale.

Quando a exposição terminar, o Álbum Weale regressará a Paris. Marie- Thérèse Mandroux- França propõe outra solução no livro sobre esta obra editada pela Santa Casa da Misericórd­ia de Lisboa. “A título pessoal, permito- me sugerir que se chegue a uma solução diplomátic­a a fim de que esta coleção excecional e atípica (...) possa ficar em Lisboa, a título de depósito prolongado, permanecen­do, bem entendido, propriedad­e do Estado francês.” O DN contactou a secretaria de Estado da Cultura para saber qual a possibilid­ade de o Álbum Weale regressar a Portugal por um longo período. Está à espera da resposta.

 ??  ?? Um dos desenhos do restaurado Álbum Weale que pode ser visto na galeria de exposições do Museu de S. Roque. O documento reúne desenhos e informaçõe­s sobre a encomenda de D. João V para a capela de São João Baptista e para a Basílica Patriarcal ( na...
Um dos desenhos do restaurado Álbum Weale que pode ser visto na galeria de exposições do Museu de S. Roque. O documento reúne desenhos e informaçõe­s sobre a encomenda de D. João V para a capela de São João Baptista e para a Basílica Patriarcal ( na...
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