O quadro mais caro do mundo está em Madrid
Nafea Faa Ipoipo, que Paul Gauguin pintou no Taiti, chegou ontem a Madrid, ao Museu Rainha Sofia, onde pode ser visto até 14 de setembro. Vendido em fevereiro por 270 milhões de euros, esta poderá ser uma das últimas oportunidades para ver o trabalho em p
Nafea Faa Ipoipo está exposto no Museu Rainha Sofia numa exposição que é “uma caixa de chocolates com grande qualidade”.
O( quase) impronunciável Nafea Faa Ipoipo, de Paul Gauguin, foi pendurado no Museu Rainha Sofia, em Madrid, ontem, às 10.30, com pompa e circunstância. Entre os convidados estava Rudolf Staechelin, o anterior proprietário da obra que hoje ostenta o título de mais cara do mundo. Foi vendida em fevereiro por quase 300 milhões de dólares ( cerca de 271 milhões de euros), dizem os especialistas em arte.
O valor exato da transação manteve- se tabu durante a conferência de imprensa que acompanhou a chegada do quadro à capital espanhola. Rudolf Staechelin tão- pouco revelou a identidade do novo proprietário, conta João Fernandes, subdiretor do Museu Rainha Sofia, ao telefone com o DN. O quadro, confirma, era aguardado com expectativa. E, adianta, já estava previsto que fosse mostrado antes de se ter tornado o protagonista do mercado da arte em 2015. “É uma obra de uma das fases mais apreciadas de Gauguin”, explica, e acrescenta, rindo: “Não andávamos à procura do quadro mais caro do mundo.”
João Fernandes, antigo diretor do Museu de Serralves, lembra, aliás, que ficou “surpreendido” quando leu a notícia da venda do quadro. “Mas na própria notícia do The New York Times diziam que ele ia ser apresentado no Rainha Sofia.” Essa era uma das condições de venda do quadro: respeitar os compromissos já assumidos.
Apesar de pertencer a uma coleção privada, o quadro estava cedido em depósito ao Kunstmuseum de Basileia. O museu suíço entrou em obras de ampliação, e por sugestão do diretor do Rainha Sofia, Manuel Borja- Villel, um conjunto de peças viajou até Espanha para a exposição Fogo Branco: A Coleção Moderna do Kunstmuseum Basel, inaugurada a 18 de março.
O que o museu espanhol também já sabia é que teria de partilhar o quadro de Gauguin, pintado no período em que viveu no Taiti, com
a Fundação Beyeler, em Basileia, que a havia requisitado para uma retrospetiva da obra do pintor francês ( 1848- 1903). Fez- se uma troca. “Como eles precisavam de um Miró nosso...”, conta.
Nafea Faa Ipoipo ( Quando Te casarás?, em taitiano) é de 1892. Uma das raparigas é Tehe, a jovem de 13 anos com quem o pintor se casaria, enquanto a mulher vivia com o filho na Dinamarca. Um ano antes, o pintor tinha decidido ir viver para a Polinésia. Procurava inspiração junto dos povos nativos. “Je veux aller chez les sauvages” (“Quero ir viver com os selvagens”), disse. Outro quadro desta época encontrase, em depósito, no Museu Thyssen- Bornemisza, também em Madrid – Mata Mua ( Autrefois), pro duzido em 1893.
O frenesim mediático em torno do quadro, a juntar ao facto de ser de uma das mais populares fases da pintura de Gauguin, faz esperar muitos visitantes, admite João Fernandes. Mas, sublinha, a exposição “já é uma caixa de chocolates de grande qualidade”. Com Van Gogh e Picasso Na mesma sala em que está pendurado o óleo Nafea Faa Ipoipo ( 101,5 cm × 77,5 cm) encontra- se outro quadro de Gauguin ( Paisagem com Telhado Vermelho, de 1885), dois Van Gogh, um Picasso, um Cézanne e um Renoir. Chagall, outro dos nomes sonantes da exposição, “está noutra sala”.
Se está repleta de artistas que marcaram a pintura do início do século XX não é acaso. O Kunstmuseum de Basileia é descrito como o primeiro museu municipal público e nasce da compra de uma coleção privada, conta João Fernandes, lembrando que se trata de uma cidade com capital económico. Primeiro graças à indústria têxtil e depois à farmacêutica. Começa a guardar obras- primas de várias coleções privadas, como a do avô de Rudolf Staechelin. “Ele e um amigo, cuja coleção também está no Kunstmuseum, competiam a ver quem tinha a melhor coleção de arte de vanguarda”, conta.
O antepassado de Staechelin comprou a obra de Gauguin em 1917, já depois da morte do pintor, tal como adquiriu obras de Manet, Monet, Cézanne, Renoir, Degas, Matisse, Van Gogh ou Picasso. A venda de dois quadros do pintor espanhol após a morte do empresário contribuiu para o crescimento da coleção do Kunstmuseum, nota João Fernandes.
O presidente da Câmara de Basileia, nessa época, fez um referendo para aferir da vontade dos cidadãos em comprar os quadros e mobilizou a sociedade civil para reunir fundos para os comprar. “Picasso gostou tanto que ofereceu quatro obras suas, de toda a carreira, que tinha no estúdio.” Uma dezena de obras do museu suíço podem ser vistas no Museu do Prado, também em Madrid. Pode ser a última vez que é visto O que também está a gerar expectativa em torno do quadro é o facto de este ser, provavelmente, uma das últimas vezes em que é mostrado ao público. Depois de Madrid, onde pode ser visto até 14 de setembro, atravessa o Atlântico pa - ra ir até à Phillips Collection, em Washington, onde estará em exposição até 10 de janeiro de 2016. Finalmente, deverá chegar ao novo proprietário, a Autoridade para os Museus do Qatar, de acordo com informação nunca confirmada ( nem desmentida) da imprensa norte- americana.
Rudolf Staechelin recusou- se a falar sobre o assunto, alegando o “acordo entre os membros do fundo familiar”, um grupo que gere a coleção deixada por Rudolf Staechelin. “O importante são as obras”, disse. “As coleções modificam- se com o tempo. Esta foi comprada pelo meu avô em 1921 por 18 mil francos. Não o fez por especulação, mas porque gostava. Essa beleza será eterna, tudo o mais efémero”, disse na conferência de imprensa, citado pelo diário espanhol El País. As razões para a venda não foram abordadas e o preço ainda menos. “Só disse que vendeu por uma quantia bastante mais alta do que o avô em 1917”, explica João Fernandes. “Há situações em que uma venda é inevitável.”
Inevitável e para refletir, segundo o subdiretor do Rainha Sofia. “Estes valores fazem que a arte possa deixar de estar acessível”, nota. “Antes, mesmo quando estavam em coleções privadas, eram vistas por algumas pessoas”, começa por dizer. “O encarecimento reprivatiza- as e torna- as mais frágeis. Podem ficar escondidas. É um dos riscos dos nossos tempos”, considera. A venda por 300 milhões de dólares ultrapassa em 50 milhões o último recorde. Os Jogadores de Cartas, de Paul Cézanne, foi vendido em 2011 por 250 milhões.