UMA NOITE NA FLORESTA ENCANTADA DO AMOR IMPOSSÍVEL
Visita a um décor do novo f ilme de António- Pedro Vasconcelos, Amor Impossível, tragédia lusitana rodada em Viseu. Numa f loresta encantada com luz de cinema, comprovámos a cinegenia de Vitória Guerra e f icámos a saber que o produtor Tino Navarro pode t
Sabes o que acho que na verdade as estrelas são? Buracos na alcatifa. A sério, estou convencido!”, diz o Tiago enquanto fuma um charro abraçado à sua namorada. Estão os dois numa mata a olhar para as estrelas. Estão apaixonados. De repente, entre uma carícia, ela morde- lhe. “Mordeste- me, porra!”, reage o rapaz. “O amor dói! O que queres que te faça!?”, responde a rapariga.
A história de amor fatalista de Tiago e Cristina é o mote para um conto de amor que mata. De um amor demasiado grande, demasiado sufocante, com conotações de Romeu e Julieta – gostava de saber o que teria acontecido a Romeu e a Julieta se tivessem sobrevivido, chega a dizer Cristina.
Este é o novo fi l me de António- Pedro Vasconcelos, Amor Impossível, por estes dias no final da rodagem. Uma rodagem de cinco semanas maioritariamente em Viseu. E é num bosque pouco encantado, pertencente à Escola de Agronomia de Viseu, que depois do jantar de uma noite amena de verão o DN visita o plateau.
Uma cena de intimidade com o par romântico em modo de reconciliação depois de uma briga. Tudo é preparado ao mais ínfimo pormenor. Os atores, Victoria Guerra e José Mata, são alinhados milimetricamente no meio de um pano sobre a relva. Antes da câmara começar a rodar, ensaiam. Ensaiam muito com António- Pedro Vasconcelos sempre extremamente atento. Mais tarde, o realizador conferencia com os atores. É um cineasta que gosta de atores e não esconde estar feliz por ter conseguido a jovem atriz: “Ela filma muito bem. É muito boa atriz.”
Esta cena, como todas com Victoria Guerra, aparece em flashback. Em tempo real, nunca a vemos, está morta. É a rapariga morta do filme. Toda a história presente situa- se em torno de uma investigação de dois agentes da polícia ( Soraia Chaves e Ricardo Pereira) a tentarem descobrir o que se passou com a Cristina, desaparecida depois de mais um arrufo com o namorado, o Tiago. Através destas cenas do passado, o argumento, escrito por Tiago R. Santos, vai dando pistas de um mistério que aponta para um crime passional. E nesta noite percebemos uma carga perturbante neste par também ameaçado pelas condições sociais opostas. Ele é menino “bem”, ela é de família pobre. Mas há uma química – este momento é revelador: a maneira como a mão dela acaricia a barriga dele.
“Hoje não rodamos nenhuma cena de sexo, mas o filme tem essa vertente. Para a personagem dela o sexo é importante. Ela tem de consumar essa paixão muito for- te.” Nesta noite não se encena sexo, mas todos os detalhes destes diálogos filmados sob diversos ângulos demoram muito tempo. O aparato dos meios técnicos num exterior também não faz adiantar as coisas, em particular a maquinaria das luzes, uma grua gigante que inventa um luar “cinematográfico”. É interessante perceber que depois de inúmeras repetições, os atores continuam com uma disponibilidade carregada de uma imensa frescura, em especial Mata, que cada vez que dá uma passa num cigarro de enrolar tenta fazer a ilusão da moca de um charro.
A noite parecia estar perfeita mas o verão prega partidas. Algumas gotas de chuva começam a cair de manso... António- Pedro Vasconcelos não parece acreditar. As gotas, minutos mais tarde, deixam de cair e tudo prossegue. Tempo para o realizador falar com o diretor de fotografia Miguel Sales Lopes, pela primeira vez a trabalharem juntos numa longa- metragem de ficção. É curioso perceber a calma de Sales Lopes e a forma como António- Pedro Vasconcelos aceita algumas das suas ideias. A dada altura, junto ao monitor, ambos tentam perceber se Victoria Guerra, naquele plano contrapicado, vende a ideia que está mesmo a olhar para as estrelas. Fingir ver estrelas em cinema é uma dádiva.
Quando o filme chegar às salas, já no começo de dezembro, António- Pedro Vasconcelos tem um desejo: “Quero que este filme comova. Quero que as pessoas partilhem o destino destas personagens.” Será a primeira vez que a Big Picture, distribuidora que lança os filmes das majors Fox e Sony, se aventura com cinema português. E o que se sabe é que será uma aposta forte: muitas salas, aparato promocional e já um crescente desvendar do filme. Não haja dúvidas, é um filme para o grande público. “E o Os Gatos não Têm Vertigens, que chegou aos 100 mil, poderia ter feito muito mais! Fomos alvo de sabotagem pela Câmara Municipal de Lisboa e creio não ter sido a melhor estratégia a NOS Audiovisuais pôr o filme no pacote do “cinema português”..., desabafa o realizador enquanto ainda tem filmagens até às 7 da manhã.
Haja energia para quem aos 76 anos e em plena fase de rodagem tenta ainda estar por dentro do processo da privatização da TAP e que reage desta forma quando foi informado que o seu Benfica perdeu o treinador que tanto defende: “que cataclismo! O Benfica vai recuar seis anos... Tinha finalmente entrado no bom caminho!”.