O estilo Moita Flores regressa para explicar erros da nossa história
Éi nteressante obser var como os leitores portugueses se interessam por histórias de encantar, lendas e memórias do antigamente. Mesmo que sejam de há alguns séculos, como é o caso do livro que Francisco Moita Flores entregou nesta semana aos leitores.
O título do romance é O Dia dos Milagres e nasce de uma irritação do autor para com o fim do dia 1 de dezembro como feriado, mesmo que o tema já fosse do seu interesse e estudo há algum tempo. Com o desaparecimento do feriado, o autor sentiu que se verificava um desrespeito por uma das mais importantes datas da história de Portugal, pois fora o dia em que o país recuperara a “dignidade”, e não se conteve mais.
Pode- se, considera o autor, comparar outras datas mas não existem mais do que umas duas ou três de valor semelhante. Daí que Francisco Moita Flores tenha decidido avançar num livro que justifique a sua opinião sobre aquele momento da história portuguesa. Escreve- se até nas pistas que o volume traz impressas na capa que “é uma viagem apaixonante aos últimos dias do regime filipino que haveria de baquear no golpe de Estado que i niciaria a dinastia de Bragança”; que o autor “centra a ação em Vila Viçosa, onde viviam os duques de Bragança, e que nos “conduz pelos dias de ansiedade, dias terríveis, vividos entre crenças e superstições, marcados por revoltas e sofrimento, num Portugal pobre e cansado, traumatizado pela tragédia de Alcácer Quibir, de onde se espera que chegue D. Sebastião”.
Se estas são condicionantes históricas para explicar o romance, a da badana esquerda faz questão de deixar duas acusações atuais bem explícitas: “Uma data que foi desprezada, decisão que enxovalha a memória portuguesa” e “páginas para que a memória coletiva não esqueça aquilo que os novos servos do nosso tempo esqueceram, julgando Portugal do tamanho de um mero livro de contabilidade”.
A insistência na questão do fim do feriado não surge por acaso, até porque Francisco Moita Flores não deixa de comparar o domínio espanhol entre 1580 e 1640 com o re- cente da troika, nem de colocar o mito do sebastianismo presente para quem quer crer em fantasmas. Uma realidade e uma metáfora que se ligam de forma transparente àquilo que também está muito presente neste romance, que sendo uma recriação histórica acaba por executar um paralelismo de acontecimentos.
O que Moita Flores faz em O Dia dos Milagres é recuperar os acontecimentos que envolvem os conjurados da Revolução de 1640 que desde 1638 desejavam o apoio de D. João de Bragança para a revolta que pretendiam efetuar contra Espanha. Um futuro rei que era casado com Luísa de Gusmão, uma andaluza da casa de Medina Sidónia, oferecida para facilitar o processo de integração de Portugal na Coroa espanhola. No entanto, como bem conta o romance, Luísa de Gusmão torna- se mais uma incitadora da rebelião portuguesa do que um fator de integração, considerando “mais acertado morrer reinando do que acabar servindo”.
O que oferece de novo este O Dia dos Milagres? Primeiro que tudo, é essa forma de escrever de modo encantado em que se apontam os erros históricos de forma romanceada. Segundo, a recuperação de episódios do passado para explicar como corrigir esses erros. Terceiro, a grande capacidade do autor em transformar relatos do quotidiano em capítulos que questionam o leitor. Quarto, a recuperação da história para uma narrativa de histórias em ficção.
Uma capacidade que o primeiro capítulo exibe de modo brilhante ao transformar a jovem personagem feminina sem importância social como o contraponto à grande tragédia provocada pelo gesto louco de D. Sebastião em Alcácer Quibir. E num estilo literário muito peculiar, que Moita Flores domina e justifica como ninguém.
Um romance que pretende em primeiro lugar recuperar o signif icado da palavra dignidade