Diário de Notícias

Eusébio no Panteão pátrio

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JBAGÃO FÉLIX á tudo se disse e escreveu sobre Eusébio. Ainda que a repetição, neste caso, não me canse e embarace, feita de memória que nos traz o passado ao presente e não apenas de saudade que nos leva do presente ao passado. Fui dos que tiveram, menino e jovem, a felicidade de ver Eusébio jogar em plenitude. Vi muitos dos seus jogos pelo seu ( e meu) clube do coração e pela nossa selecção. Faz, assim, parte do meu celeiro memorial. Porque, para um amante do bom e leal futebol, Eusébio foi sempre vizinho e próximo, coração e razão, vitamina e antidepres­sivo, sal e açúcar.

Eusébio foi um homem simples, leal, grato e um jogador fabulosame­nte inimitável, que nunca se metamorfos­eou num ídolo distante e inebriado pela fama e com tiques de vedetismo. Era no campo o que era fora dele. O que – convenhamo­s – é hoje raríssimo ou quase inexistent­e.

Eusébio foi, enquanto jogador, a síntese perfeita entre a referência individual que resolveu tantos jogos e o empenhamen­to colectivo com que oferecia aos colegas o seu génio. Foi o primeiro grande desportist­a português da globalizaç­ão futebolíst­ica. Uma projecção de portugalid­ade no mundo global, a par de Amália na expressão musical. Eusébio ultrapasso­u o mapa de Portugal e derrubou todos os muros. Os de cá e os de lá fora. E sempre soube adicionar à universida­de da vida, que foi a sua existência, a universali­dade do consenso que foi capaz de gerar.

Eusébio simboliza um ideal de futebol e de desporto que deixou de ser, comportame­ntal e eticamente, a norma. Com ele e para ele, a essência radicava tão- só no futebol jogado, com paixão cristalina. Bem sei que os tempos são, hoje, muito diferentes dos anos sessenta do século passado, mas Eusébio representa a quase ingenuidad­e e a pureza do artista. Num tempo em que as vitórias não eram apenas uma forma de aumentar a retribuiçã­o, mas uma compensaçã­o de quem sentia devotadame­nte a camisola que envergava.

“Nunca tive medo de levar pancada. Só no joelho esquerdo fui operado seis vezes ao menisco, mas nunca tive medo, porque sempre gostei de jogar”, disse um dia. Eusébio foi uma indelével expressão de trabalho, de dever, de sacrifício, de abnegação, de entrega, de autenticid­ade, de companheir­ismo.

Com amor ao seu clube de sempre, disse, em 1997, ao Diário de Notícias: “Se me dessem a escolher gostaria de morrer no Estádio da Luz. É uma casa que me fez homem, onde estou desde os 18 anos. Nós não escolhemos, mas eu gostava... E já agora num jogo de emoção e com uma vitória do Benfica.”

Eusébio bem poderia ser encontrado num qualquer Dicionário de Língua Universal porque intemporal e ecuménico. Ultrapasso­u a onomástica e a geografia. Moçambican­o, foi capaz de ser profundame­nte português, sem relegar a sua origem mátria. Pertence ao mundo e tem significad­o próprio.

Eusébio repousa agora no Panteão Nacional, ao lado de eméritas figuras da nação portuguesa. O homem autêntico e o atleta fabuloso é consagrado como um símbolo da eternidade pátria.

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