As bolhinhas de plástico já não fazem ploc
Eu não sabia é que a crise era tão grande. Grega, qual crise grega?! Falo do fim da “aragem celestial envolta no seu manto diáfano ansioso por soltar um canto de rouxinol” ( vulgo, bolhinhas viciosas)
Aminha vida é feita de altos e baixos, não vos dou novidade nenhuma, é a sina de todos. Quando estou em baixo poderia fazer como muitos, beber, mas, não é para me gabar, sou um radical nos dias cinzentos: rebento bolhas. Fosse eu grego, teria passado esta semana na minha varanda virada para a Acrópole. Seria um desperdício, notar- se- ia pelo olhar vazio que eu não contava as colunas do Pártenon. Não me sigam o olhar mas, sim, o esfregar frenético do polegar com indicador. Eu não estaria a contar notas de euro ( já com saudades) mas rebentaria, uma, ploc, a uma, ploc, às vezes duas, ploc-ploc, as plástico- bolhas acumuladas ao lado da minha poltrona. Como sempre, tenho uma reserva para os maus dias.
É, sob pressão, estouro bolhas, dessas que vêm nos grossos envelopes de livros. Aliás, estou a mentir como aqueles viciados da roleta que dizem que só vão ao casino em dias de festa. Mesmo não sendo grego, mesmo só com a pressãozinha que os portugueses podem temer, o nervoso só me passa com ploc- ploc. Nestes dias de dúvida que vivemos, dei- me conta de que sou um bolhadependente. Minto, outra vez, não me dei conta agora. O meu comportamento recente demonstra que eu já sabia, mas estava em estado de negação. Neste ano recusei ir à Feira do Livro, onde os livros me são entregues prontos a folhear e num saco de plástico sem ar comprimido. Inúteis, pois. Vejo pelos meus extratos bancários que desde fins de maio encomendei livros às livrarias. Paguei portes de correio para os receber, mas eles chegaram- me como deve ser, com bolhas. A verdade é que desde maio já a bancarrota gre- ga se anunciava e eu estava a criar o meu stock de bens de primeira necessidade. Ploc, ploc, ploc...
Eu não sabia é que a crise era tão grande. Grega, qual crise grega?! Falo do fim do bubble wrap, que em português quer dizer “aragem celestial envolta no seu manto diáfano ansioso por soltar o seu canto de rouxinol” ( vulgo, bolhinhas viciosas). No passado dia 1, na véspera de a Grécia ter de pagar ao FMI ( e depois digam- me que isto não anda tudo ligado...), a Sealed Air Corporation, a monopolista mundial de plástico- bolhas ( imaginem um mundo onde só uma empresa fizesse bolas de futebol), fez saber que ia mudar de ramo. Vai passar de indústria do prazer ( ploc- ploc), para a da utilidade ( embrulhar coisas). Apresentou- o como um pequeno passo tecnológico, vão poupar espaço – mas ( isso a empresa não disse) um desastre para a humanidade. Agora, o novo produto, i- Bubble, é entregue em rolos de plástico com bolhas “secas” e interligadas. Serão os clientes das diversas indústrias – metalúrgica, alimentar, eletrónica... – que vão encher de ar esse invólucro protetor.
Não entendo duas coisas. Primeiro, porque não referem a indústria de candelabros? Tenho lá em casa três num canto, que comprei porque trouxeram muito bubble wrap. Segundo, qual o sentido de centenas de bolhinhas interligadas, quando, assim, o ploc é único? Evidentemente, há a tal explicação para o crime: o i- Bubble poupa espaço. Mas uma vassoura também poupa espaço em relação a Jennifer Lopez, e não é com uma vassoura que a mulher de Ben Affleck está preocupada. A Sealed Air Corporation, claro, diz que o bubble wrap não vai acabar, haverá sempre para quem quiser. Está bem, está, é como as maçãs bravo-de- esmolfe, que continua a haver mas nunca no meu bairro.
Fica demonstrado que a visão utilitarista do mundo está a impor- se. O pobre do Varoufakis bebeu um branco de Santorini na varanda vizinha à minha, o Schäuble amarrou a cara e chegámos ao impasse desta semana. Talvez a Grécia parta e nós sejamos os próximos. Tudo bem, mas eu não adivinhei a dimensão da tragédia: as plástico- bolhas eu esperava que fossem um prazer eterno, farto e inesgotável. Não sou nenhum bota- de- elástico, até admitiria pequenas modificações. Tal como o Ford Modelo T, que começou por vender- se em todas as cores logo que fosse preta, o bubble wrap poderia ter a sua evolução. De cores diversas, como num quadro de Seurat. Sons caprichosos, ora flauta- de- pã ora ribombar. Dão- se conta, carregarmos numa frágil bolinha de 2,5 cm e saltar de lá a entrada da Nona de Beethoven? Haveria mercado, eu pagaria a minha parte – como diz o meu psicanalista, nada pior do que menosprezar os nossos pequenos vícios.
Mas pronto, acabou- se, ou vai acabar. Dizem- me: na net há várias Virtual Bubble Wrap, bolhinhas que rebentamos com o rato e que também emitem som. Népias, nunca fui adepto de bonecas insufláveis.