Diário de Notícias

“OS PORTUGUESE­S TÊM VERGONHA DE GASTAR DINHEIRO EM PORTUGAL”

- JOANA PETIZ

Dos oito restaurant­es que gere, Olivier escolhe o que abriu há menos tempo em Lisboa para o almoço. A casa é sua, logo sou convidada – sem direito a discussão. Já nos conhecemos. De “olá, tudo bem” em cruzamento­s ocasionais, o suficiente para deixar de parte as cerimónias e ir “apagando fogos” enquanto me cumpriment­a – “Estás boa?” – e nos leva até à mesa do jardim, no canto mais afastado da fachada do Petit Palais. “Uma chatice, estas obras. Estão a matar- me!” E logo para Jorge Correia de Campos, relações públicas da casa: “O engenheiro não nos tinha dito que paravam com os martelos pneumático­s entre a uma e as três?” As obras na Rua Rosa Araújo, no prédio siamês ao palacete que foi a casa de António de Medeiros e Almeida, abafam as conversas dos executivos. Olivier encolhe os ombros, “não temos como controlar, são obras”, mas isso não o impede de ir fazendo esforços, durante todo o almoço, para resolver o problema.

Mal nos sentámos e alguém levanta o volume da música – nova irritação, chama o empregado mais próximo, que baixe o som, que aquilo não abafa o ruído, só piora o ambiente. “O meu dia é isto: gritar com pessoas e apagar fogos.” A verdade é que não levantou a voz, explicou- se quase só por gestos e a música voltou ao normal em menos de nada. Há de ser assim durante uma hora: a atenção dividida com o que se passa à volta, a conversa intercalad­a com a resolução de pequenos problemas. Trabalho de gestor: sabe que tem de dar o melhor ao cliente.

“A minha calma é o golfe. O resto é isto, é trabalho, é o meu divertimen­to”, diz, à chegada das bebidas e da sopa fria de ervilhas com caranguejo. “Não sei fazer outra coisa, é a minha vida, já lá vão 20 anos.” Começou aos 19, “numa esplanada que o meu pai tinha no Castelo de São Jorge. Servia picanha, entradas, os amigos iam para lá e era o máximo. Foi o primeiro verão em que trabalhei como patrão. Na cozinha, a servir, tudo.”

Nunca sentiu pressão por ser filho do chef Michel. “As portas até se abriram mais rápido por isso. O meu pai era cozinheiro e eu também fui muitos anos, até abrir o Avenida. Nessa altura tomei outro caminho.” Agora quase não cozinha, mas os conceitos, as ementas dos restaurant­es são da sua autoria. “Não estou na cozinha a picar cebolas; digo como quero que façam, provo e vamos afinando. Tenho um chef comigo há muitos anos, o Edson, que sabe como eu gosto das coisas, tem a mão q ue eu gosto...” Ainda assim, há dificuldad­es. “É preciso gerir muitos egos – e os outros têm de gerir o meu, que é enorme. As pessoas que não me conhecem têm ideia de que sou uma pessoa muito complicada e má. Eu sou um gajo complicado mas não sou má pessoa, pois não?” A pergunta é para a Marta, responsáve­l pelo marketing dos restaurant­es, que se aproxima quando vêm os pratos principais – “aqui como sempre salada niçoise, não é linda?” Para mim, recomendou o crepe – a escolha não podia ter sido melhor.

Para conciliar os restaurant­es e a família ( é casado e tem dois rapazes, de 10 e 13 anos), impôs- se um horário. “Até às 10.30 não estou para ninguém e entre as 19.00 e as 21.00 é o meu tempo: vou a casa, estou com a Ewa, com os miúdos, durmo uma soneca.” Nunca se deita antes das 5.00 – “fico a pensar e é nessa altura que começam as asneiras”. “Asneiras” são os novos projetos que vai planeando. “Eu corro muito pelo negócio, mesmo pelo dinheiro, para as coisas serem bem feitas, para fazer diferente e trazer mundo para Portugal.” Ibiza é um lugar que repete ao longo da conversa. Foi do Lío ( clube- restaurant­e do grupo Pacha) que trouxe as ideias para montar o Petit Palais. “Vou fazer disto um verdadeiro clube ao almoço e ao jantar abro normalment­e; às quintas, sextas e sábados será um cabaret. Estou a contratar uma equipa de 12 a 16 pessoas para dançar, cantar, fazer números de circo e dar vida a jantares- espetáculo.”

Acena a Jorge Armindo, presidente da Amorim Turismo, que acaba de descer as escadas para o jardim, mas não perde o fio à conversa. “Tenho dois projetos novos, vou contar- te.” Depois do verão vai abrir um “frango da Guia”, com vários pontos em Lisboa – “churrascar­ias mas com boa onda e boa comida” – e já em setembro o Reserva, no Cascais Villa, ao lado do Hotel Albatroz. “É um conceito com 87 marcas de vinho a copo, champanhes, coisas para picar e todos os best- sellers Olivier ( mini- habúrguere­s, foie gras fresco, crepes de peixe).” São espaços que já têm as licenças e autorizaçõ­es necessária­s e não lhe trarão os problemas que teve quando criou o Guilty e o Petit Palais. “Não volto a fazer nada de raiz. O investimen­to descambou, foi uma loucura. Estávamos à espera de gastar 500 mil euros e depois houve problemas com a câmara e tive de destruir e refazer tudo e passou a um milhão. Mas não desisti – nem podia, porque já tinha gasto o dinheiro.” Sobre os problemas não quer falar – “estamos em fase de pazes e reestrutur­ação”.

O investimen­to é quase sempre a solo – só não é assim no único restaurant­e que tem fora do país, no Sheraton Reserva do Paiva, no Recife ( Brasil), no Yakuza do Sheraton Pine Cliffs ( Algarve), que partilha com o grupo hoteleiro, e no Praia que é dividido com Nuno Santana, Francisco Spínola e João Arnaut e que é o mais recente. Abriu a 6 de junho, nas praias de São João, “para dar ao cliente uma

das coisas mais bonitas que temos, que é a Costa de Caparica – por muito que haja um estigma e que as pessoas digam que é um sítio foleiro”. Um restaurant­e de praia com um preço médio de mais de 100 euros por pessoa não é de mais? “Se eu vou à Prada sei que não vou gastar o mesmo que na Zara. No Praia há peixe fresco, marisco como deve ser, não é para vender sardinhas mas robalos, arroz negro. E tem os hambúrguer­es, os carpacci... quem não quer gastar 100 euros para almoçar pode gastar 25.” Ainda assim, é muito para um almoço na praia. “Mas o conceito não é vou ali comer qualquer coisa num instante e volto para a praia. É prolongar a estada, ficar na esplanada, passar ali o dia com bom ambiente, boa música, pessoas bonitas.”

Abrir na praia também tem uma lógica de gestão. Sendo os restaurant­es de cidade menos procurados nos meses de férias, Olivier aproveita para deslocar os empregados: “Em vez de estarem aqui parados, levo- os para lá e faturam o dobro. E os meus clientes encontram sempre caras conhecidas.” Lisboa não fica abandonada. “Fizemos agora uma festa de bar aberto com espetáculo e convidámos todos os concièrges, rececionis­tas de hotéis de 5 e 4 estrelas; temos uma pessoa em permanente contacto com os hotéis para eles começarem a mandar turistas para aqui. Em junho, isso significou 519 pessoas. São puzzles que estou sempre a tentar resolver.”

Que turistas são? Sobretudo angolanos e brasileiro­s. “Não tenho nada em Angola, mas a minha marca é muito forte lá e quem vem a Portugal quer vir ao Olivier. E ainda bem. Dou- me superbem com eles: estão porreiros, não reclamam; marcam às 21.00 e vêm às 23.00, mas tudo bem. Especialme­nte no Avenida: 80% dos clientes são angolanos, há dias em que aquilo parece Luanda!” E consomem sem grandes preocupaçõ­es – o que não se pode dizer dos portuguese­s. O problema, garante Olivier, não é falta de dinheiro, é que “os portuguese­s têm vergonha de gastar em Portugal, andam a brincar aos pobrezinho­s”. “Vem da educação que tivemos desde o 25 Abril, temos medo de mostrar que gastamos, aqui, mas lá fora não temos esse pudor. Mas se não gastarmos em Portugal como é que a economia cresce?” Olivier acredi- ta que a mentalidad­e está a mudar: gente nova que começa a ganhar dinheiro e “quer gastá- lo cá”.

Sou intimada a arranjar espaço para a sobremesa – “tens de comer o macaron, é leve, fresco, é ótimo!” É tudo quanto me vendeu e chega com o café, o assunto volta à gestão. Apesar de estar em permanente controlo, Olivier teve de aprender a confiar e a delegar – no Fred nas cozinhas, no Edu nas salas, na Marta no marketing. Tem 150 empregados diretos. “80% são estrangeir­os: brasileiro­s, paquistane­ses, tibetanos, porque a formação dada em Portugal é de emprego e não de trabalho. Os portuguese­s não querem trabalhar, enquanto os estrangeir­os vêm e precisam disso, não podem perder o trabalho.” É gente de mais para gerir a solo. “Não posso estar em todo o lado.”

Até porque os restaurant­es são todos diferentes: o japonês ( Yakuza), a pizaria ( Guilty), a steakhouse ( K. O. B.)... Não é uma lógica comum. “É assim que eu funciono, vou abrindo o que gosto de comer em determinad­a altura, o que as pessoas estão com vontade de comer. Vou absorvendo o que vejo lá fora e depois trago as ideias e faço os restaurant­es à minha maneira.” Há um que ainda não conseguiu concretiza­r. “O ultimate game é ter uma cervejaria, mas já percebi que é muito difícil porque há uma máfia do marisco e é complicado entrar. O marisco é perigoso – pode estragar- se uma reputação num instante. Se não posso ter do melhor, prefiro não fazer.”

São quase 15.00 e fazemos as despedidas. Chega uma boa notícia, com Jorge Correia de Campos: de acordo, os martelos pneumático­s vão parar à hora de almoço. Mas Olivier já tem outra preocupaçã­o: “Porque é que a fonte está desligada?” Deixo- o a apagar o fogo.

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O empresário tem 150 empregados diretos. 80% são estrangeir­os porque “os portuguese­s não querem trabalhar”
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