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Fire! Orchestra abre esta noite Jazz em Agosto

Alexandre Farto voltou a Rabo de Peixe mas desta vez não intervém nas paredes. A peça vai ficar pronta até amanhã

- MARI A J OÃO CA E TA NO, Po nt a De lg a d a A jornalista viajou a convite do Walk & Talk

Aqui nascem barcos. São feitos de madeira, segundo técnicas tradiciona­is. São enormes. São barcos que hão de ir para a pesca do atum, nos mares do Norte da Europa. Aqui, neste estaleiro, à beira do Atlântico, em Rabo de Peixe, na ilha de São Miguel, Açores, ao lado dos homens que fazem nascer os barcos, trabalham mais quatro homens que estão a dar uma nova vida a um barco velho. O Leonardo é um barco de pesca que tem mais de 40 anos e já pertenceu, diz- se, a quase todos os capitães de Rabo de Peixe. Tem dois buracos no casco e já não está em condições para navegar. Está, por isso, em ótimas condições para ser usado por Alexandre Farto ( aka Vhils).

O artista colabora com o festival Walk & Talk desde a sua primeira edição, em 2011, primeiro com murais em Ponta Delgada e depois em Rabo de Peixe. As suas intervençõ­es nas paredes do bairro dos pescadores começaram, como quase sempre, com as histórias das pessoas que ali moram, com conversas e fotografia­s. Com a dona Maria dos Anjos e o senhor Bonança, o senhor mais velho do bairro. E são essas fotografia­s que voltam a estar na origem desta nova peça.

“Há já uns anos que eu queria trabalhar num barco, achava que fazia todo o sentido aqui. Finalmente, conseguimo­s”, conta Vhils. “O barco ia para abate, está muito danificado.” A história de Leonardo torna- se ainda mais visível pelo método de trabalho de Alexandre Farto, que está a “escavacar” as várias camadas de pintura e a madeira para dar forma aos seus desenhos. Desde segunda- feira que os dias ( e grande parte das noites) têm sido de muito trabalho para o artista e mais três colaborado­res. De vez em quando, aparecem os miúdos do bairro a correr descal- ços pelas pedras, ou algum dos vizinhos a espreitar a obra. A oficina cheira a resina e a madeira, à tinta fresca dos barcos que ali estão a nascer.

A peça tem de ficar pronta hoje ou, no máximo, até amanhã, quando termina mais uma edição do Walk & Talk e passará a integrar o circuito de arte urbana da ilha. Ainda que desta vez trabalhe no estaleiro, longe do olhar da população, a peça de Vhils continua a ser “uma homenagem às pessoas daqui, que trabalham no mar, que sobreviver­am aos naufrágios”. Por isso, embora o destino final de Leonardo ainda esteja a ser negociado ( talvez junto ao Clube Naval, ali ao lado), Alexandre não tem dúvidas: “Gostava que ficasse em Rabo de Peixe.”

Nem todas as peças criadas no âmbito do Walk & Talk têm a dimensão monumental do barco Leonardo. Nuno tem um braço envolvido em película aderente mas, ainda assim, é possível ver a tatuagem que acabou de fazer: “Gente feliz com lágrimas.” Este é o título do romance de João de Melo mas é também o título da exposição de que Nuno Alexandre Ferreira e João Pedro Vale são curadores, na galeria Walk & Talk, situada num edifício semiabando­nado no centro de Ponta Delgada que, nas últimas semanas de julho, funciona como sede do festival. A três dias do encerramen­to, Nuno, artista e curador, quis deixar marcada na pele uma memória desta aventura. A juntar às outras memórias todas.

As tatuagens são a obra de arte de Gemeniano Cruz. Mais do que isso: “Eu próprio sou uma peça da exposição”, diz, ao mesmo tempo que coloca as luvas e prepara o seu ateliê improvisad­o para fazer mais uma tatuagem. Ao lado de instalaçõe­s, visuais e sonoras, de vídeos, fotografia­s e murais, de peças de artistas como Vasco Araújo, Ângela Ferreira, Horácio Frutuoso ou Pedro Barateiro, Gemeniano é “o artista ao vivo”. Tem 32 anos, nasceu Vhils regressou a Rabo de Peixe, em São Miguel. Com a sua equipa trabalha no Leonardo, um barco de pesca com 40 anos ( fotos acima). Nuno Alexandre Ferreira, um dos curadores da exposição “Gente Feliz com Lágrimas”, quando fazia uma tatuagem de Gemeniano Cruz: “Eu próprio sou uma peça da exposição” ( ao lado) em Sesimbra e além de ter uma carreira como ilustrador freelancer, começou em janeiro também a fazer tatuagens. Trabalha no ateliê Guri Tattoo, na Amora, e apesar de fazer todo o tipo de trabalho mais comercial confessa que prefere desenvolve­r o seu próprio estilo – um desenho a preto e branco, que tanto pode ser mais realista como pode ser mais limpo e quase cartoonesc­o. Desenhar na pele é um desafio fascinante – o único senão é que não pode improvisar, que é algo de que ele gosta bastante.

Nunca tinha estado nos Açores. Chegou há três semanas e a primeira coisa que fez foi um mural numa das paredes da galeria, que é ao mesmo tempo a decoração do seu ateliê e uma peça da exposição. Chamou- lhe Blood, Sweat and Tears. “A ideia é ter um catálogo com algumas tatuagens que as pessoas podem fazer como forma de assinalar a visita a esta exposição. São como flashes. Os desenhos têm alguns detalhes, mas não muitos. São coisas simples”, explica. Apaixonado pelo desenho científico e inspirado pelo facto de estar numa ilha, Gemeniano criou uma série de desenhos ligados ao mar – búzios, baleias, peixes. Além de “Gente Feliz com Lágrimas”, Nuno tatuou ainda um peixe. Uma outra forma de arte pública.

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