Via rápida para investigar abusos sexuais de crianças
Nova lei. Denúncias de abusos por familiares vão para o Ministério Público sem passar pelas comissões de proteção e sem o consentimento dos pais
A nova Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Risco, aprovada dia 22 de julho no Parlamento, retira as comissões de proteção da fase inicial do processo. Quando em hospitais ou escolas, por exemplo, houver suspeitas de que um menor foi vítima de abuso sexual por parte de familiares, a denúncia passa a ser feita diretamente ao Ministério Público. O objetivo é agilizar os processos e garantir a proteção em tempo útil. A medida é bem acolhida pelas comissões, que até agora se viam na obrigação de pedir consentimento aos pais das crianças vítimas de abusos para iniciar um processo.
A ideia é agilizar os processos para garantir proteção em tempo útil
A criança de 12 anos que foi violada pelo padrasto e depois autorizada a abortar no final de abril deste ano pela equipa clínica do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, inscreve-se no tipo de casos que vão deixar de ter intervenção inicial da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em Risco (CPCJR) e passar diretamente para o Ministério Público. A ideia é agilizar os processos para garantir que uma criança em perigo é protegida em tempo útil.
Esta é uma das alterações à Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Risco, num documento que foi aprovado no plenário da Assembleia da República a 22 de julho.
O esvaziar dessa competência até é do agrado das comis-sões, como o DN confirmou. “Era um problema que tínhamos, o de ter de pedir o consentimento aos pais de uma criança abusada para abrir um processo de promoção e proteção de menor quando o pai ou outro familiar era o abusador, por exemplo”, reconhece Teresa Espírito Santo, membro da equipa técnica da Comissão Nacional de Proteção de Crianças e Jo-vens em Risco.
O que já acontecia na prática era estes casos serem logo remetidos para os tribunais por algumas comissões, referiu. O juiz de Família e Menores António Fialho considera “aceitável” esta mudança “desde que entidades como a escola ou o hospital façam uma primeira avaliação para que o Ministério Público esteja mais habilitado a dar resposta a uma situação concreta”.
A transferência dos casos de abuso de menores diretamente para os tribunais é também uma reivindicação antiga do Instituto de Apoio à Criança (IAC). De fora ficam os crimes de maus-tratos e negligência grave de criança, que continuam a cair na esfera da intervenção inicial das comissões. Dulce Rocha, presidente executiva do Instituto de Apoio à Criança, defende que também esses crimes deveriam ser participados por escolas e hospitais diretamente ao Ministério Público. “Sempre defendi que os casos de competência reser vada dos tribunais deviam ser aqueles em que nunca iria haver acordo de promoção e proteção com os pais das crianças”, argumenta a magistrada, manifestando a esperança de que no futuro a lei seja de novo alterada para incluir estas situações.
A deputada social-democrata Teresa Leal Coelho, uma das autoras das alterações à lei, prefere separar as águas e acreditar que as comissões estão “preparadas para lidar com os casos de maus-tratos e negligências graves”. Por comparação, a deputada já acha que as CPCJR têm “falta de competência técnica e conhecimento para trabalhar as situações de abuso sexual de crianças”, que têm várias nuances, como as falsas denúncias apresentadas por mulheres em litígio com os maridos.
Negligente com dois empregos Teresa Leal Coelho sublinha que ser ia negativo alguns casos de negligência irem diretamente para os tribunais. “Soube da história de uma mãe solteira com uma criança de 3 anos a seu cargo. Essa mulher tinha dois empregos em limpezas para poder sustentar o filho: um das 06.00 às 08.00 e outro que começava às 9.00. Para poder conciliar tudo, a mãe deixava o filho sozinho em casa, com o biberão ao lado do berço, e só o ia buscar às 08.00 para o levar para o infantário.”
O caso foi sinalizado pelo IAC como uma situação de negligência, mas os técnicos do instituto que fizeram a primeira intervenção perceberam o contexto desta mãe. “Arranjou-se um complemento de subsídio para que esta mãe só tivesse de sair de casa às 08.00 para trabalhar”, conta a deputada. Morte de criança no espírito da lei Bia, a criança que morreu às mãos do padrasto, estava sinali- zada há mais de seis meses na comissão de Loures sem decisão (ver fotolegenda). No espírito do legislador estiveram histó-rias infelizes como a desta menina. Com a nova lei, passados seis meses após o conhecimento de uma situação de menor em r isco por uma comissão, sem que esta tenha tomado qualquer decisão, pode ser requerida a intervenção judicial por parte dos pais ou representante legal da criança.
A deputada Teresa Leal Coelho faz mea culpa e assume que o tribunal devia entrar na equação ainda antes dos seis meses. “É uma alteração muito importante, mas tem de ser monitorizada e pode levar a ajustes futuros para que se encur te ainda mais esse prazo.”
O juiz António Fialho, que exerce funções no Tribunal de Família e Menores do Barreiro, também entende que é um prazo muito alargado. “Se um tribunal tem quatro meses para fazer a instrução de um processo de promoção e proteção de menor, as comissões também podem tomar uma decisão nesse tempo.”
Teresa Espírito Santo, da Comissão Nacional, lembra que é possível aplicar uma medida provisória ou cautelar para proteger o menor antes dos seis meses. “Ou seja, protege-se rapidamente a criança do perigo que enfrenta enquanto decorre a avaliação da situação. Não se fica à espera do diagnóstico ideal.”
A nova lei também clarifica que em situações de perigo iminente para a vida, e na ausência de consentimento dos pais, qualquer entidade (escolas, hospitais) deve proteger o menor, com alerta para as polícias ou para o tribunal.