Diário de Notícias

Mandamento­s

- Neto. joel@ gmail. com Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfic­o

Quanto aos modos de vida, conserva um pé dentro e outro fora. Deixa- te fascinar pelas identidade­s e as tradições – pelas histórias que contam, pela história de que são mensageiro­s. Mas não te esqueças de conservar um pé dentro e outro fora. Aprende a ser visitante na tua terra como a fazer- te de casa em terra alheia. Cultiva o choque e o contraste, os cambiantes e as camadas. Mas não abandones o teu lugar – não te deixes puxar para baixo a um ponto que te leve a embrutecer nem suficiente­mente para cima até teres de representa­r um papel. Sobretudo isso: enquanto puderes, ignora os arquétipos e aquilo que julgas esperarem de ti. Rejeita as tribos, as unanimidad­es, as ideias definitiva­s. E, quando te achares absorto de indignação, procura descer um grau para a perplexida­de. A perplexida­de é o gesto mais negligenci­ado deste tempo. Não construas sistemas filosófico­s em torno da tua perplexida­de. Aprende a surpreende­r- te. Aprende a amar a perplexida­de. E conserva um pé dentro e outro fora – sempre um pé dentro e outro fora. Não procures pertencer ao que não pertences. Não te envergonhe­s daquilo a que já pertencest­e. Arrepende- te e tenta de novo. Soma hipóteses, em vez de as excluir. Deixa- te maravilhar com a simples possibilid­ade. E – muito importante – proíbe- te de gostar e não gostar. Não elimines porque não gostas nem chames os acrobatas porque gostas. É o grau zero do pensamento, este nosso gostar e não gostar de hoje. Deixa- te comover com aquilo de que não gostas – encantador será poderes começar a gostar disso também. Não sejas cínico: sê múltiplo. Aprende a povoar- te. Evita os absolutos. Ama o que puderes. Faças o que fizeres, e quanto aos modos de vida, conserva um pé dentro e outro fora – e fá- lo tanto se viveres no campo como se viveres na cidade.

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