Diário de Notícias

Londres recusa visto a Ai Weiwei mas nega motivações políticas

Artista e dissidente pediu autorizaçã­o de seis meses, mas só poderá ficar 20 dias. E não se cruza com o presidente chinês, Xi Jinping

- S USANA S A LVA DOR

As autoridade­s britânicas recusaram um visto de seis meses ao artista e dissidente chinês Ai Weiwei, autorizand­o apenas uma viagem de 20 dias, depois de o acusarem de não declarar que tinha sido condenado na China. O problema é que, apesar de ter passado 81 dias numa prisão em 2011, Ai Weiwei só foi investigad­o e nunca recebeu nenhuma condenação. O gesto está por isso a ser visto como uma forma de não criar problemas diplomátic­os com Pequim, evitando que o dissidente esteja em Londres durante a visita de Estado do presidente Xi Jinping em outubro.

Mais de quatro anos depois da sua detenção e da apreensão do passaporte, as autoridade­s chinesas devolveram o documento a Ai Weiwei na semana passada. O artista anunciou imediatame­nte que a sua primeira viagem seria à Alemanha, onde há 11 meses vive o seu filho de 6 anos, Ai Lao. A relação à distância entre pai e filho é o tema do filme Berlin, I Love You, que Ai Weiwei dirigiu através do Skype e filmou durante o festival de cinema da Bienale, em fevereiro. Dois dias depois de ter feito o pedido às autoridade­s alemãs, o artista recebia o visto para múltiplas entradas no país durante quatro anos. Ontem, chegou a Munique.

Além do visto alemão, que lhe permite liberdade de movimentos no espaço Schengen europeu, Ai Weiwei pediu também uma autorizaçã­o para poder viajar para o Reino Unido. A 19 de setembro, abre na Royal Academy of Arts uma retrospeti­va da sua obra e o facto de já poder viajar permitia que pudesse ser o próprio a ajudar a montar a exposição. O problema é que, segundo as autoridade­s britânicas, ele mentiu no formulário de requerimen­to do visto. “É do conhecimen­to público que recebeu uma condenação criminal na China e não a declarou”, lê- se na resposta das autoridade­s britânicas, que Ai Weiwei publicou no seu Instagram ( site de partilha de imagens).

Em vez do visto de seis meses que Ai Weiwei queria, Londres concedeu- lhe “excecional­mente” apenas um visto para a duração da viagem ( cujas datas tinha indicado no formulário) – entre 9 e 29 de setembro. “Apesar de uma exceção ter sido aberta neste caso, qualquer pedido futuro deverá ser preenchido corretamen­te, ou existe o risco de ser negado e de ser aplicada uma proibição de viajar de dez anos”, diz a carta assinada pelo responsáve­l do Departamen­to de Imigração da embaixada britânica em Pequim.

Numa mensagem no Instagram, lê- se que Ai Weiwei explicou “em várias conversas telefónica­s” com a embaixada que “nunca foi acusado ou condenado por qualquer crime”. Contudo, “estes insistiram na exatidão das suas fontes e recusaram admitir qualquer erro”. A mensagem, escrita na terceira pessoa, conclui: “Esta decisão é uma negação dos direitos de Ai Weiwei enquanto cidadão e uma forma de tomar posição por aqueles que causaram sofrimento aos defensores dos direitos humanos.” Detenção secreta Filho de Ai Qing, um dos mais famosos poetas chineses, mais tarde considerad­o “inimigo do Estado”, Ai Weiwei nasceu em 1957, em Pequim, e viveu num campo de trabalho com a família até 1961. Entre 1981 e 1993 viveu nos EUA. Nome forte da arte contemporâ­nea, colaborou como consultor artístico no desenho do estádio olímpico da capital chinesa – conhecido como Ninho de Pássaro. Mais tarde, disse lamentar ter participad­o no projeto e criticou as Olimpíadas de 2008, dizendo que apresentav­am uma imagem falsa da China ao mundo. O artista chinês foi detido a 3 de abril de 2011, quando se preparava para embarcar num avião com destino a Hong Kong, no meio de uma onda de repressão dos críticos de Pequim. Esteve detido durante 81 dias, a maior parte do tempo em isolamento, mas nunca foi acusado formalment­e de nenhum crime. O seu caso teve forte repercussã­o no estrangeir­o. Depois da libertação, as autoridade­s chinesas indicaram que continuava a ser investigad­o por suspeita de crimes económicos.

No ano seguinte, a empresa Fake Cultural Developmen­t ( Ai Weiwei é designer, mas a mulher é a representa­nte legal) foi multada em mais de 2,2 milhões de euros por fuga ao fisco. Desde novembro de 2013 que o artista usava uma instalação em frente à sua casa e atelier para exigir a devolução do passaporte. Tal aconteceu na semana passada e Ai Weiwei mostrou- se confiante: “Agora que me deixam sair, acredito que também me deixem voltar a casa.” Relação entre Pequim e Londres O visto permite que o artista esteja em Londres durante a inauguraçã­o da exposição, mas no Instagram este deixou o aviso de que poderá não estar presente. Essa ausência irá apenas trazer mais publicidad­e negativa para o primeiro- ministro britânico, David Cameron, e para o presidente chinês, Xi Jinping, na véspera da sua viagem de Estado. Cameron, que irritou Pequim ao encontrar- se com o Dalai Lama quando este visitou Londres em 2012, tem sido acusado desde então de colocar as questões comerciais à frente das dos direitos humanos – só para voltar a cair nas boas graças dos chineses.

Num comunicado, o Ministério dos Negócios Estrangeir­os britânico negou que a decisão de rejeitar o pedido de Ai Weiwei tenha sido tomada para evitar que ele estivesse no país ao mesmo tempo que o presidente chinês. “Ai Weiwei tem um visto que lhe permite viajar para o Reino Unido na altura que pediu e estamos muito felizes por poder estar na sua exposição na Royal Academy of Arts”, segundo o texto, citado pela agência Reuters.

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