Fire! Orchestra dá primeiros acordes de Jazz em Agosto
Rui Neves, diretor artístico do Jazz em Agosto, falou com o DN sobre a edição deste ano do festival da Gulbenkian, que começa hoje e termina dia 9 de agosto
Na 32. ª edição do Jazz em Agosto, que arranca hoje com a Fire! Orchestra, de Mats Gustafsson, são precisamente as grandes formações orquestrais as privilegiadas, mas o festival, que anualmente tem lugar no Anfiteatro ao Ar Livre da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, continua a distinguir- se por uma programação que destaca o jazz contemporâneo.
Que critérios segue Rui Neves, diretor artístico do festival? O próprio responde ao DN: “Há uma manifesta exigência artística e as programações são o resultado de ouvir e ler muito, o que se faz com prazer. Visitar festivais internacionais similares quer na Europa quer na América do Norte é igualmente fundamental porque a verdade da música afirma- se é no palco”, explica.
O saxofonista Mats Gustafsson é um dos criativos que tem apontado novas luzes às linguagens do jazz. O músico terá um particular destaque no Jazz em Agosto, atuando por duas vezes, primeiro com a Fire! Orchestra e depois com o quinteto Swedish Azz. Para Rui Neves “Mats Gustafsson é um músico dos mais peculiares na atualidade, é um prolífero inventor de situações musicais”. E acrescenta: “Não é por acaso que tem sido o músico mais assíduo do festival nos últimos 15 anos. Como empreendedor nunca está quieto, em cada ano que passa oferece- nos três ou quatro projetos diferentes. A Fire! Orchestra, de 19 elementos, e o quinteto Swedish Azz, projetos inéditos em Portugal, retratam a diversidade do trajeto sempre renovado de Mats Gustafsson.”
Importante para o Jazz em Agosto é também manter viva a história do jazz, mesmo que apontando para caminhos de vanguarda. Daí que no festival se celebre o 50. º aniversário da Association for the Advancement of Creative Musicians ( AACM) de Chicago com o concerto de Wadada Leo Smith com Henry Threadgill. O diretor artístico começa por recordar: “A AACM de Chicago, meio século depois, continua a ser um pilar do jazz inovador. Fundou- se numa altura dos EUA, em meados dos anos 1960, em que as tensões raciais eram de confrontação, época do Black Power, dos Black Panthers, de Malcolm X, de Martin Luther King, ambos assassinados.” Vários músicos ligados à AACM, como Anthony Braxton, George Lewis, Muhal Richard Abrams, Wadada Leo Smith, Henry Threadgill ou Art Ensemble of Chicago, viram o seu trabalho reconhecido na Europa, nomeadamente em Paris, para onde vários se exilaram. “A verdade é que o seu reconhecimento europeu teve um efeito de boomerang porque depois de 2/ 3 anos de exílio o regresso, em meados de 1970, foi apoteótico. Hoje, a AACM vai na 3. ª geração de músicos enquanto os primeiros arautos não deixam de comprovar as suas intemporais invenções”, refere Rui Neves.
Habitual na programação do Jazz em Agosto até à data era a exibição de documentários sobre os músicos que nesse ano atuavam na Gulbenkian. Este ano o cinema estará representado através do filme- concerto Lok 03, projeto do influente pianista alemão Alexander von Slippenbach, da pianista japonesa Aki Takase e de DJ Illvibe. Este é um dos projetos menos mediáticos de Schlippenach, criado há dez anos. E, como explica Rui Neves, no Jazz em Agosto Alexander von Schlippenach “criará uma banda sonora em simultâneo para o filme a preto e branco de Walter Ruttmann de 1927 [ Berlim: Sinfonia de Uma Capital], na altura revolucionário, quer como do - cumentário quer pela inovadora técnica de montagem”.
O j azz f eito em Portugal também estará presente nesta edição do Jazz em Agosto. A Orquestra Jazz de Matosinhos que, como lembra o diretor artístico do festival, “está rotinada na interpretação de importantes compositores do j azz atual, como Carla Bley, Maria Schneider ou John Hollenback”, foi convidada para se jun- tar ao trompetista austríaco Michael Mantler e revisitar a música que este dir i giu em 1968 com a Jazz Composers Orchestra, com o projeto Jazz Composers Orchest ra Update. J á os portugueses RED Trio, uma das f ormações mais ativas do j azz nacional, atuarão ao lado do britânico John Butcher.
Como é que Rui Neves avalia a partir daqui o panorama nacional do jazz contemporâneo? “Em Portugal o surgimento de músicos essencialmente devotados ao jazz e fazendo dele a sua profissão iniciou- se apenas nos anos 1980. Desde então as escolas e os praticantes proliferaram e hoje os progressos são visíveis”, refere. “Paralelamente, desenvolveu- se um gosto por práticas improvisadas e mais radicais, criando um circuito próprio de concertos e discos significativo. A presença da Orquestra Jazz de Matosinhos e do RED Trio refletem precisamente essa realidade”, salienta.
O festival decorrer até 9 de agosto e todos os concertos se realizam no Anfiteatro Ao Ar Livre da Gulbenkian, em Lisboa, às 21.30.
Orquestra Jazz de Matosinhos e o RED Trio são as presenças nacionais no festival