Nuno España. Desafio extremo na Noruega, entre fiordes e montanhas
Encontrou no desporto um escape após a morte do pai. Agora, vai enfrentar uma das provas de triatlo mais difíceis do mundo
Foi com surpresa que, já no final de 2014, Nuno España reparou na estranha ausência de 300 euros da sua conta bancária. Descobrindo que o pagamento havia sido feito a uma empresa norueguesa, rapidamente se apercebeu de que o montante correspondia ao valor da inscrição que tinha feito meses antes no Isklar Norseman Xtreme Triathlon, uma das provas de triatlo mais duras do planeta, que se realiza já amanhã. Basicamente, um Iron Man não oficial ( ver outro texto): 3,8 km de natação, 180 km de bicicleta e uma maratona para finalizar. Tudo ao longo de uma bela e exigente paisagem norueguesa, entre fiordes e montanhas.
Na altura da inscrição, a organização da corrida informou- o de ter recebido cerca de 3000 candidaturas e que poderia, ou não, retirar o valor da inscrição, mas que o mesmo seria reposto aos não selecionados. “Contactei- os questionando o método pelo qual me devolveriam o dinheiro, ao que me responderam que tinha sido aceite na prova e que duvidavam de que ainda quisesse o reembolso”, confessou Nuno España ao DN, após um treino matinal junto às Docas, em Lisboa.
“Candidatei- me meses antes, mas nunca mais pensei nisso. Ainda para mais, entretanto, em outubro nasceu o meu segundo filho, e nunca mais me lembrei. Tentei explicar aos colegas de trabalho o que significava, aos amigos, até que finalmente concluí que ainda tinha de contar à Inês, a minha esposa”, revela, entre risos. “Convidei- a para almoçar, o que ela estranhou porque eu nunca tinha tempo, perguntou- me se se passava alguma coisa e eu simplesmente deixei o almoço rolar até que lhe contei”, acrescentou, aliviado.
Inês, o “princípio, meio e fim” de Nuno, segundo o próprio, acedeu, afirmando que não seria ela a “cortar as asas ao sonho”.
Após sete meses de preparação, Nuno España, um alto quadro da José de Mello Saúde, enfrenta agora, aos 32 anos, um dos maiores desafios da sua vida. Mas não chega aqui por acaso. Pelo caminho ficam muitos quilómetros, sacrifícios, horas por dormir. Eo apoio inestimável de Inês e dos amigos, diz, o qual faz questão de reconhecer e agradecer. Enfrentar a morte do pai Nuno confessa que nem era grande fã de desporto. Contudo, há cerca de cinco anos, quando da morte do pai, a sua vida mudou. Desafiado pelo cunhado, e para fugir ao momento menos bom, participou na Meia- Maratona de Lisboa. “Era só ir ali à ponte e voltar, disse- me o meu cunhado ( risos). Eu fui por ele, sabendo que ele também o estava a fazer por mim”, disse. Numa altura em que “ainda bebia e fumava”, acabou por esgotar o corpo ao quilómetro 16, mas lá terminou – com uma boa sensação “mas sem conseguir sequer ter forças para tirar o chip do pé”.
Agarrou- se ao desporto pela componente individual e pelo facto de poder treinar onde quisesse e quando entendesse. Em 2011 e 2012 correu mais meias- maratonas, inclusivamente fora do país. O “bichinho da maratona” começou a ser alimentado quando, ao participar numa prova, conheceu um “senhor que estava a organizar a sua centésima maratona, e ia doar o dinheiro para várias causas de solidariedade”.
Ainda sem um plano de treino muito organizado, Nuno assumiu um objetivo para concretizar ainda em 2012: uma ultramaratona de 90 quilómetros, na África do Sul. “Preparei- me com cerca de oito maratonas e fui. Foi fantástico.” Após um mês de abril com competições em todos os fins de semana, uma folga foi transformada na participação de um Half Iron Man ( metade da distância normal), em Troia. A estreia num Iron Man oficial chegou em 2014, em Frankfurt; pelo meio ficaram provas como o “Madrid- Lisboa em BTT, sem parar. Cerca de 670 km em 42 horas”. Um plano de treino e o apoio de Inês Em janeiro deste ano entrou em cena o treinador Nuno Barradas. Nuno España conta que a primeira coisa em que pensou após a notícia de que tinham aceitado a sua inscrição nesta prova norueguesa foi que precisava de apoio. Sobre o seu recente pupilo, o treinador tem a dizer que a relação já é de amizade. “Às vezes tenho de domar a vontade dele. Quer sempre mais. A vida de um atleta amador é difícil, com o trabalho e a família, mas o Nuno ( España) é muito criativo no que toca a cumprir os treinos”, afirmou o técnico.
Descrevendo o Isklar Norseman Xtreme Triathlon como um dos triatlos mais duros do mundo, Nuno Barradas destaca que, devido às condições duríssimas da prova, os atletas vão muito tempo sozinhos, pelo que têm de ter grande capacidade de resistência física e psicológica. Mas destaca que o seu atleta tem o “físico, mas sobretudo a vontade, para conseguir”.
Nuno Barradas explicou ainda que a prova seleciona os atletas pelo currículo de cada inscrito e que ,“mesmo não sendo um atleta de excelência em velocidade, [ Nuno España] tem um currículo invejável em tão pouco tempo de atividade”. “Vai chegar à camisola pre- ta, destinada aos melhores”, não duvida.
Ao longo da viagem em que se transformou esta preparação dos últimos sete meses – a qual já fez “tudo valer a pena”, segundo Nuno España – surgiram muitas dúvidas. “Será que consigo?”; “Será areia a mais para a minha camioneta?”; “Estou a fazer isto bem?” Foram algumas das questões que foram surgindo no pensamento deste licenciado em Economia, que teve de ser criativo para encaixar os treinos entre o corrupio diário dos afazeres profissionais e familiares – nem que fosse preciso treinar às seis da manhã, ou até a seguir ao batizado da sobrinha, há umas semanas, tendo ido da Praia Grande até Lisboa em corrida.
“Não quero fazer o papel de durão. Tive muito apoio. A Inês [ esposa] é a minha inspiração. Eu dou a cara, mas ela é que está em casa com os miúdos e aguenta isto tudo. É a minha companheira, mais do que amante e mulher. Olha para mim e percebe logo tudo. Há tanta gente que paga um psicólogo e eu tenho quem antecipe as minhas necessidades e me deixe logo mais relaxado”, diz sobre a esposa.
Ao lado, Inês España contrapõe: “Não sou assim tão compreensiva ( risos). A verdade é que exijo muito, mas faço aquilo que posso. Nem sempre é fácil, temos dois filhos ( um de 2 anos e outro de 9 meses) e podem existir momentos tensos. Em relação à prova fico preocupada pela não ausência de riscos físicos, mas ele é um leão.” A fé e o padre Ismael Dada a dificuldade da competição, cada participante pode fazer- se acompanhar por uma equipa de apoio com mais dois elementos. Nuno España terá a seu lado Inês e o padre Ismael. “Não escolheria outra pessoa. Ele casou- me, batizou os meus dois filhos e fez o funeral do meu pai. Somos amigos e ele só precisa de olhar para mim para saber o que preciso. Vai acompanhar- me e vai correr comigo no final. Sei que se for preciso me leva ao colo”, explica Nuno España.
A fé é uma parte importante na vida deste diretor de Inovação e Planeamento Estratégico do Grupo José de Mello Saúde. Acreditando que os homens são pequenos de mais para determinadas coisas, recorre também à fé para ultrapassar o desafio. “Deus está comigo e provavelmente vai materializar- se no padre Ismael. Além disso, corro também por ser as pernas que o meu pai não conseguiu ser”, sublinhou.
O padre Ismael, que além de ser pároco da Igreja de Santa Isabel, no
Rato, pode ser encontrado a dar aulas de Ética e Deontologia Profissional na Universidade Lusíada, acabou por vestir o equipamento e já participou inclusivamente num Half Iron Man.
Licenciado em Psicologia e com Mestrado em Recursos Humanos, Ismael Ferreira tem até agora o Iron Priest Project, que consiste em tornar- se o primeiro padre a completar um Iron Man. Em relação a Nuno España –e à prova norueguesa, na qual servirá de apoio nos últimos 30 km, com comida e roupa para abastecer o amigo –, o padre diz que o mais importante agora é “não alimentar medos, mas sim a fé”. Uma causa social “Faço parte da direção do Movimento ao Serviço da Vida e, neste momento, para um projeto chamado a Casa das Cores, precisamos de uma carrinha para os 14 miúdos carenciados que lá vivem. Não terem como sair mexe- lhes com a cabeça. Assim, nada melhor do que ligar este desafio a uma bela causa”, explicou Nuno España, que conta com o apoio do seu empregador e do ginásio onde treina. “Cada donativo é um rebuçado para a prova”, disse Nuno. “É doping”, frisa o padre Ismael, sublinhando o suplemento de alma produzido por esta causa.