Ronda contra Bethe. O duelo mais desequilibrado de sempre
A americana tem fãs, dinheiro, status. A brasileira em 2011 ainda era uma contabilista gordinha. Uma delas será campeã nesta madrugada. Adivinhe quem lidera nas apostas
Desde David e Golias e de A Lebre e a Tartaruga que não havia uma luta tão desigual como a desta madrugada ( 03.00, na BTV ) entre a americana Ronda Rousey, campeã do mundo de pesos- galo ( até 61 quilos) de artes marciais mistas ( MMA), e a brasileira Bethe Correia. Sim, David e a Tartaruga ganharam aqueles duelos, mas o de aqui a algumas horas na Arena HSBC, no Rio de Janeiro, a contar para o Ultimate Fighting Championship ( UFC), uma espécie de campeonato mundial de MMA, não é um episódio bíblico ou uma fábula de Esopo. É real. E realmente desequilibrado. Daí a graça.
Num canto do octógono, Ronda Rousey, 28 anos, 1,70 metros, a atual e única campeã na história da categoria peso- galo do MMA, invencível após 11 combates e melhor lutadora do circuito somados todos os pesos, de acordo com as revistas da especialidade. Treina nos ginásios mais sofisticados do planeta sob as ordens de Gokor Chivichyan, talvez o melhor técni- co do mundo, relaxa nas areias de Santa Mónica, na Califórnia, vive rodeada de fãs, perseguida por fotógrafos e aliciada por patrocinadores. Fotogénica, até já experimentou Hollywood em três blockbusters de ação. É uma celebridade nos EUA e global.
Do outro, Bethe Correia, 32 anos, 1,65 metros, apenas quatro de carreira, nascida em Campina Grande, na Paraíba. Contabilista de profissão, inscreveu- se em 2010 num ginásio para abater uns quilos. Um dia, Patrício Freire, campeão de UFC, ouviu o ruído de pancadas violentas e consecutivas a um canto do recinto e viu Bethe a castigar sem piedade um saco de boxe.
Para desespero dos pais e do marido, Freire conseguiu convencê- la a abandonar a máquina calculadora e a tornar- se lutadora em full- time no seu clube. Já fez nove vítimas, entre as quais duas das Four Horsewomen ( as quatro cavaleiras, como são conhecidas Ronda e mais três craques da mo- dalidade), e ganhou o direito de enfrentar a intocável campeã.
Mas enquanto Ronda desfruta dos luxos, Bethe, menos fotogénica, treina- se, com o seu equipamento corroído pelo tempo, num ginásio sem ar condicionado de um bairro duvidoso de Natal, numa das regiões mais pobres do Brasil, o Nordeste. Como treinador, o marido, entretanto convertido. Como agente, a irmã.
Na preparação para enfrentar Ronda, que venceu a última desafiante em 14 segundos, Bethe tem apostado nas provocações. E por causa disso tem perdido a simpatia de que costumam beneficiar todos os underdogs, como David, de Israel, ou a Tartaruga, da fábula. “Ela é mentalmente fraca, tomara que não se suicide após o combate”, disse, numa pouco subtil alusão ao facto de o pai de Ronda se ter suicidado. “Não devia ter falado da maior tragédia da minha família. Assim, não vou apenas ganhar- lhe, vou ganhar- lhe de uma forma tão clara que nunca mais ninguém se atreverá a abordar esse assunto antes de um combate comigo”, respondeu Ronda.
Nos meios de comunicação social americanos nem há debate. E nos brasileiros? “A Bethe vai apanhar muito, muito”, dizia Felipe Andreolli, jornalista do canal SporTV, do Brasil, sem fé na compatriota. Bom, pelo menos a brasileira terá a vantagem do fator casa, uma vez que o duelo será no Rio de Janeiro.
Enquanto meia dúzia de entediados repórteres fotográficos cobriam, por dever de ofício, o treino de Bethe a um canto, no outro, Ronda desaparecia no meio de uma multidão de cariocas eufóricos a pedir selfies, sorrisos, acenos e autógrafos. Na mesma linha, os sites de apostas não têm dúvidas. Ou aliás, têm: Ronda vai derrotar Bethe no primeiro assalto ou não?
Em resumo: se por acaso gosta de ver massacres, acompanhe o combate. Mas se por acaso acredita em milagres ou em fábulas infantis, acompanhe também. Em Portugal, a luta passa a partir das 03.00 na BTV, a televisão oficial do Benfica.
A brasileira tem como treinador o marido e a irmã como agente