Continuar na apneia
Em 1967, num indispensável artigo (“Verdade e política”) publicado na revista New Yorker, Hannah Arendt alertou para o papel crescente da “mentira organizada” no espaço público moderno. Enquanto no passado a mentira era sobretudo um ardil, que visava apenas enganar o adversário, a sociedade moderna produziu uma verdadeira indústria da mentira. Tão poderosa e eficaz que o próprio mentiroso acaba por perder a perceção do limite que separa a verdade da sua arbitrária e subjetiva efabulação. Mais do que um programa político, os partidos da coligação vieram dizer que não vai haver uma campanha baseada num registo de debate sereno e rigoroso. A ausência de qualquer esforço de quantificação – tanto do caminho percorrido como das “promessas” apresentadas – é uma prova contundente de que a manipulação emocional e o autoconvencimento serão os princípios de uma ruidosa campanha da coligação. A matemática revelaria o desastre estrutural sofrido por Portugal ao longo destes quatro últimos anos. Mas ninguém precisa de recorrer à argumentação racional quando para suscitar pânico ou esperança difusa não é preciso ir além do caudal emocional do cérebro límbico. Quem quiser governar Portugal com seriedade não pode ocultar aos portugueses que a zona euro se transformou num gigantesco sistema de destruição maciça, que se vai erodindo da periferia para o centro. Terá de explicar também que nenhum passe de mágica (“saída do euro” ou “lusofonia”) pode substituir a persistente luta pela reforma virtuosa das regras e instituições europeias, em torno de propostas de interesse comum, com os aliados certos. O futuro não é um slogan, mas uma incerteza. Só o mereceremos com políticas baseadas na procura da verdade e não na propaganda.