Acordar o VIH com remédios oncológicos para matá- lo. Portugal também investiga
O objetivo é acordar o vírus que está adormecido em algumas células para depois ser atacado com medicação. Cientistas nacionais também estão a investigar uma estratégia semelhante. Os resultados até agora são positivos
A estratégia parece arriscada, mas o resultado final está a criar grandes expectativas. Usar um ingrediente de um medicamento contra o cancro para acordar o vírus do VIH que está escondido nas células. E depois matá- lo com a medicação atual, que só é efetiva nas células onde o VIH está ativo. Portugal não fica atrás no combate à doença que há 30 anos desafia cientistas e médicos. Uma equipa do Instituto de Medicina Molecular, em consórcio com cientistas europeus e norte- americanos, está a trabalhar em soluções para eliminar o vírus. Os primeiros resultados são positivos. Neste caso quando as células com vírus acordam, autodestroem- se.
Um grupo de investigadores da Universidade da Califórnia ( Estados Unidos) publicou esta semana um artigo na revista PLoS Pathogens que mostra a eficácia do PEP005, um dos ingredientes de um medicamento usado para um cancro da pele aprovado já pela agência ame- ricana do medicamento FDA, na ativação do vírus do VIH que está adormecido nas células humanas. Acordá- lo será fundamental para a posterior destruição do mesmo. A atual medicação mata o vírus que está em circulação no corpo, mas não é capaz de chegar ao que está escondido, como se estivesse adormecido. É isso que explica os casos de doentes que se pensava terem ficado curados e que depois voltaram a ter o vírus detetável. Acordar e matar Satya Dandekar, coordenadora da equipa de investigadores americana, disse à impressa internacional que erradicar o vírus do VIH é essencial e que estão muito satisfeitos por terem identificado “um excelente candidato para a reativação do VIH que já está aprovado para uso humano”. E ressalva que este é apenas mais um passo, importante, é certo, de um longo percurso que ainda está a ser percorrido no combate à doença. Até porque a investigação ainda é laboratorial e não foi testada em doentes com VIH.
João Gonçalves, investigador do Instituto de Medicina Molecular, integrado no Centro Académico de Medicina de Lisboa, explica os resultados deste processo a que os investigadores internacionais chamam “acordar e matar”. “A estratégia parece suicida, mas pode ter resultado. A ideia final é eliminar o vírus do corpo e, para o fazer, tere- mos de acordar os que estão latentes. O que queremos é tirá- los do esconderijo para depois os eliminar. Depois da reativação do vírus é preciso dar um segundo cocktail de medicamentos para o anular. Isso pode ser feito com os tratamentos atuais. Mas estes só conseguem neutralizar os vírus ativos e por isso é importante reativar os escondidos.”
Sobretudo nos Estados Unidos já existem alguns ensaios, ainda muito preliminares, em humanos. Mas ainda estamos longe da cura, avisa o investigador português. “Curar significa que não há nenhuma célula com o vírus dentro do corpo do doente e nós não o podemos dizer. Ainda não temos tecnologia que permita verificar isso. Temos muitas células onde o vírus se pode esconder”, refere o investigador português. Portugal no combate ao VIH João Gonçalves também está a investigar há cinco anos – como elemento de um consórcio internacional que junta laboratórios americanos, europeus e também de empresas farmacêuticas – estratégias para a eliminação do VIH. “Na nossa estratégia, quando os vírus acordam, faz que as células morram automaticamente e por isso não é preciso um segundo cocktail de medicamentos. São testes apenas feitos em laboratório, com animais, que mostraram resultados positivos. Mas testar em humanos demorará mais dois a três anos”, diz.
Tal como na investigação norte- americana, também esta usa medicamentos que foram inicialmente testados para o tratamento de cancros. “Os laboratórios perceberam que tinham um papel importante na reativação do VIH nas células. Também trabalhamos com laboratórios de farmacêuticas e isso permite- nos aceder aos medicamentos antes e começar a trabalhar na investigação”, refere.
As primeiras conclusões estão a ser avaliadas para publicação numa revista da especialidade. O trabalho leva pelo menos cinco anos. “É um processo longo”, adianta, referindo que o consórcio está não só a estudar estratégias para a eliminação do VIH mas também de muitas outras doenças virológicas. A sua continuidade está sobretudo dependente do investimento de o consórcio conseguir captar financiamento e do interesse dos laboratórios que detêm estes remédios em continuarem a desenvolver esta área de investigação. Na primeira fase a investigação contou com o financiamento da Fundação Bill Gates.