Diário de Notícias

Jonathan Pollard, antigo funcionári­o dos serviços secretos da Marinha norte- americana que foi preso há 30 anos por vender informaçõe­s classifica­das aos israelitas, vai ser libertado Traidor nos EUA, herói em Israel. A história do Snowden dos anos 80

- S USANA S A LVA DOR

Bradley ( agora Chelsea) Manning copiou os milhares de documentos classifica­dos que entregou à WikiLeaks para um único CD, onde escreveu Lady Gaga para escapar à vigilância. Edward Snowden roubou os segredos da Agência Nacional de Segurança graças a simples downloads. Mas em 1985, a tecnologia era bastante diferente. Jonathan Pollard tinha de requisitar o material, transferi- lo da sua pasta para uma mala – por vezes dentro do carro em lavagens automática­s – e entregar tudo às sextas- feiras na casa de um funcionári­o israelita, que as fotocopiav­a. Ao longo de 18 meses, o espião norte- americano terá retirado páginas suficiente­s para fazer uma pilha de 1,8 metros de largura por 1,8 de compriment­o e três de altura.

Preso a 21 de novembro de 1985 depois de fazer mais uma entrega, Pollard admitiu a culpa em julgamento e foi condenado a prisão perpétua em 1987. Foi o único a receber tal pena por espiar para um aliado dos EUA. Segundo as leis da altura, teria direito a pedir a liberdade condiciona­l 30 anos depois. A 28 de julho, com o aval do Departamen­to de Justiça ( ao contrário do que aconteceu no ano passado), a Comissão de Liberdade Condiciona­l anunciou que o espião a quem em 1995 foi atribuída a nacionalid­ade israelita será libertado a 21 de novembro. Mas só poderá deixar os EUA cinco anos depois.

O terceiro filho de um casal judeu, Pollard, nasceu há 60 anos no Texas e apaixonou- se por Israel quando participou num programa sobre ciência organizado pelo Instituto Weizmann, em 1970. Em 1984, então analista de risco terrorista dos serviços secretos da Marinha ( não conseguira entrar para a CIA), conheceu um oficial israelita a quem começou a passar informaçõe­s secretas. Apesar de dizer que começou a espiar porque queria ajudar o Estado judaico e não concordava que os EUA escondesse­m informaçõe­s valiosas de um aliado, Pollard recebeu entre 1500 e 2500 dólares por mês de Israel para o fazer.

“Estou aliviada e contente por o nosso calvário estar finalmente a acabar. Mal posso esperar, estou a contar os dias, as horas, os minutos, os segundos até o ter nos meus braços e podermos fechar a porta do passado e reconstrui­r as nossas vidas”, disse a mulher de Pollard, Esther. A professora canadiana que

Esther Pollard frente a um cartaz com um apelo à libertação do marido, preso há 30 anos nos EUA se correspond­ia com Pollard na prisão liderou a campanha no Canadá para a sua libertação, casando- se com ele em 1995. A primeira mulher do espião, Anne, que o ajudara, foi condenada a cinco anos de prisão. Quando foi libertada, ao fim de três anos, Pollard pediu o divórcio, alegando que não queria que ela ficasse presa a ele para o resto da vida.

A detenção de Pollard sempre foi um espinho das relações entre Israel e os EUA, com os sucessivos líderes israelitas a pedir a sua libertação a Washington. “Após décadas de esforços, Jonathan Pollard será finalmente libertado. Durante o seu tempo na prisão, levantei a questão de forma recorrente nos meus encontros e conversaçõ­es com as várias administra­ções norte- americanas. Estamos ansiosos pela liberta- ção”, disse o primeiro- ministro, Benjamin Netanyahu, que chegou a visitá- lo na prisão em 2002.

Em 1998, o então presidente norte- americano Bill Clinton equacionou fazê- lo, como parte de um acordo entre Israel ( no primeiro governo de Netanyahu) e os palestinia­nos. Mas George Tenet, na altura diretor da CIA, terá ameaçado demitir- se caso Pollard fosse libertado e Clinton acabou por retirar o espião do acordo. Os serviços de informação dos EUA sempre se opuseram a qualquer libertação antecipada, alegando que os danos que provocou foram mais graves do que o que foi tornado público. “Não estou entusiasma­do com isto, mas ele serviu 30 anos. Não vou levantar a voz para me opor”, disse à Reuters Michael Hayden, outro ex- diretor da CIA.

A decisão sobre a libertação chega num momento em que EUA e Israel estão novamente de costas voltadas, depois de Washington ter assinado o acordo nuclear com o Irão. Mas, apesar de se suspeitar que esta pudesse ser uma forma de compensar os israelitas, tal foi imediatame­nte negado. “Não tive qualquer conversa sobre isso. Nenhuma”, dis- se o secretário de Estado, John Kerry. “A decisão de conceder liberdade condiciona­l foi tomada de forma unânime pelos três membros da comissão responsáve­l, independen­tes de qualquer agência governamen­tal. Não está ligada aos acontecime­ntos do Médio Oriente”, disseram os advogados de Pollard, Eliot Lauer e Jacques Semmelman.

Essa leitura poderá, contudo, fazer- se novamente caso o presidente Barack Obama decida antecipar a libertação de Pollard ou levantar a sua proibição de deixar os EUA antes que passem cinco anos. Os advogados do espião pediram precisamen­te isso. “O presidente não tem qualquer intenção de alterar os termos da liberdade condiciona­l de Pollard”, indicou contudo o porta- voz do Conselho de Segurança da Casa Branca, Alistair Baskey.

Certo é que quando chegar o dia em que vai reentrar em Israel, Pollard será recebido como um herói. Em muitos edifícios decrépitos em Telavive ainda se lê o slogan Free Pollard e em todos os aniversári­os da sua detenção, a 21 de novembro, são organizada­s em Jerusalém manifestaç­ões a seu favor.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal